Homem preso por engano receberá R$ 100 mil de indenização
O Estado de Mato Grosso foi condenado a indenizar em R$ 100 mil, por danos morais, o mato-grossense R.P.S., que passou mais de dois anos preso por engano no Centro de Ressocialização da Capital (CRC) - antiga Cadeia Pública do Carumbé.
A decisão é do juiz substituto Lener Leopoldo da Silva Coelho, da 5ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá. O valor será acrescido de juros e correção monetária.
R.P.S. foi preso em agosto de 2003 por supostamente ter cometido um homicídio em Nortelândia (253 km a Médio-Norte de Ciabá), mas a Justiça só descobriu o engano em setembro de 2005, durante a realização do júri popular do crime.
Na ocasião, a esposa do verdadeiro criminoso confessou que foi seu marido quem cometeu o homicídio, versão confirmada por todas as testemunhas ouvidas.
Segundo ela, seu marido usou indevidamente os documentos de R.P.S. para incriminá-lo.
Assim, a Justiça determinou de imediato a soltura de R.P.S. e anulou todos os atos do processo, determinando a prisão do verdadeiro autor do crime.
Após os esclarecimentos, R. resolveu processar o Estado pelo tempo que ficou preso injustamente, e pediu indenização de R$ 5 milhões.
Ele contou que sofreu as “maiores e piores atrocidades” que um ser humano pode passar na cadeia, chegando a ser vítima de abuso sexual na prisão.
Já o Estado negou ter cometido ilegalidades e afirmou que a prisão foi decretada mediante os “indícios” de que R.P.S. seria o autor do homicídio.
Dever de indenizar
Apesar de admitir que a prisão preventiva pode ser decretada em razão de tais indícios, o juiz Lener Coelho destacou que isso não “não pode servir de escudo” para impedir a reparação dos erros cometidos.
Via de regra, segundo o magistrado, o Estado não possui obrigação de indenizar por prender alguém que posteriormente é absolvido.
No entanto, neste caso, Lener Coelho verificou que não havia sequer motivos para mantê-lo preso por tanto tempo, pois R.P.S. não possuía qualquer registro criminal e, “dentro de um contexto lógico-probatório, não seria impensável sua participação em delito”.
“Temos o caso de um cidadão que, segundo registro, nunca fora preso anteriormente e se vê, do dia para a noite, encarcerado numa cadeia pública, aguardando o dia em que a Justiça fosse feita com sua libertação, o que somente aconteceu quase 26 meses depois”, observou o magistrado.
“Ainda mais, não se desconhece a realidade das cadeias públicas do País, do qual, o estado de Mato grosso, em muito não se difere, e assim, resta quase que imensurável, as angústias e transtornos causados na vida de uma pessoa inocente, deixado à espera de longos 26 meses de espera e aflição até que a justiça fosse feita, e a mesma libertada”, acrescentou.
Lener Coelho explicou que o Estado possui responsabilidade civil pela conduta dos seus agentes; logo, se deve haver reparação a quem fica preso por tempo superior à pena, “há de se conceder indenização aquele que nunca deveria ter sido preso”.
“Posto que, agindo o Estado como agiu, falhou na correta identificação do verdadeiro autor do delito, imputando a um inocente sem antecedentes criminais um grave delito de homicídio, o encarcerando por longos 26 meses, indevidamente”, decidiu.
Cabe recurso da decisão.
Waldir Caldas: audiência de custódia deverá evitar novos casos de prisões por engano – FOTO: Isa Sousa
Caso raro
O advogado Waldir Caldas Rodrigues, que preside a Comissão de Direito Carcerário da OAB em Mato Grosso, explicou que esse tipo de situação é raro, e a recente implantação da audiência de custódia em Mato Grosso – em que o preso deve ser apresentado ao juiz em até 24 horas – deverá evitar que casos como esse ocorram novamente.
“Na estrutura atual, temos, inclusive, um papiloscopista para certificar a identificação da pessoa, se houver necessidade. Se alguém foi preso como se fosse a pessoa 'A' e ele disser que é 'B', a estrutura existente esclareceria de imediato essa situação. Fatos como este, com o advento da audiência de custódia, certamente, não mais ocorrerão”, disse.
Todavia, o advogado relatou que, no interior do Estado, a audiência de custódia ainda não foi oficialmente estruturada.
“Ainda existe essa dificuldade no interior. Há um esforço enorme no sentido de ampliar isso. É algo que gradativamente vai ser implantado nos principais polos, mas ainda vai demorar um pouco”, completou Rodrigues.
POR LUCAS RODRIGUES DO MIDIAJUR