Quebrando o silêncio. O estupro é um delito silencioso
Apesar de tão grave, e assim é reconhecido pela sociedade, o estupro é um delito silencioso, sendo frequente encontrar pessoas e instituições que o arrastaram para ‘debaixo do tapete‘ em algumas ocasiões.
Durante algum tempo, foi até justificável pelo casamento da vítima com o algoz.
Nos últimos meses ocorreram escândalos de estupro no país em universidades, bem como, os terríveis estupros coletivos. Inclusive, uma CPI foi instaurada na Assembleia Legislativa de São Paulo, em razão de cerca de 112 estupros ocorridos em campus universitários daquele estado.
O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública diagnosticou que todos os anos, aproximadamente 50 mil pessoas são estupradas no Brasil.
O silêncio de homens e mulheres tem sido um grande aliado dos crimes contra a liberdade sexual. Alguns dados do IPEA nos mostram por que o sigilo vem contribuindo: 78% dos casais entendem que segredo de casa somente a eles interessa; 63% dos brasileiros acham que os casos de violência doméstica devem ser discutidos dentro de casa; 59% dos brasileiros concordam que existem ‘mulher para casar‘ e ‘mulher para cama‘; 58% das pessoas acreditam que se a mulher soubesse se comportar, haveria menos estupro.
Dentro das universidades, que deveriam ser ambientes de troca de conhecimento, os dados americanos são assustadores, pois, 4% dos rapazes admitem que já obrigaram alguém a praticar sexo com eles.
E desses, 63% já obrigaram a mais de uma mulher. Ainda, no ambiente dos universitários, 83% desses homens que obrigam mulheres à prática do sexo, afirmam que já o fizeram embebedando as vítimas.
E mais, 92% das estupradas eram conhecidas dos agressores. No Brasil, 15% dos estupros são cometidos por duas ou mais pessoas.
Ainda, 50% das vítimas de estupro no Brasil são de crianças de até 13 anos, sendo 68% cometidos por pessoas próximas como familiares ou amigos.
O primeiro passo para sair da situação de estupro é a comunicação do ilícito para alguém próximo.
Os delitos sexuais acabam permanecendo em sigilo pela vergonha da vítima em narrar que sofreu algo contra a sua dignidade, e se deparar com a sua ‘honra manchada‘ pelo ato.
Outro fator muito contributivo para o emudecimento é a falta de esclarecimento desde a infância sobre discriminação de gênero.
Segundo Nana Queiroz, criadora do movimento #EuNãoMereçoSerEstuprada, quando os alunos chegam à graduação, geralmente é a primeira vez que se envolvem em discussões de gênero.
O embate contra o machismo deve abarcar leis, educação e segurança. Assim, o trabalho de conscientização deve envolver campanhas culturais e educativas, a reavaliação de leis e estrutura básica da segurança pública.
A Finlândia é um dos países que conseguiu reduzir as taxas de estupro em 50%, laborando nessas frentes.
Enquanto as mulheres estiverem sob o controle de legisladores, instituições familiares e guardadas em poder absoluto dos homens, continuaremos presenciando estupros e demais violências.
Os operadores do direito devem se atentam que não existem motivos para estupro.
Ninguém quer ou merece ser estuprada. Nenhuma mulher que comparece à uma Delegacia de Polícia ou Poder Judiciário, quer ouvir perguntas que a remetam à uma possível contribuição pela ocorrência do crime.
Questionar o porquê, qual roupa usava no momento, ou qual atitude dela levou o agressor a cometer o ato, é afirmar que há justificativa para esse terror por ela vivido.
É como perguntar à vítima de assalto o motivo de estar usando determinada bolsa que chamou a atenção do delituoso.
Será que há questionamento aos corruptos, também, se estavam precisando de valores em dinheiro, ou, se queriam ficar ricos?
ROSANA LEITE ANTUNES DE BARROS é defensora pública Estadual, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Mato Grosso.