Ministério Público aponta entraves técnicos para investigação de crimes cibernéticos
Procuradores e deputados cobram solução para entraves na investigação de crimes cibernéticos. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o tema ouviu representantes do grupo de trabalho de enfrentamento aos crimes cibernéticos do Ministério Público. A procuradora da República no Rio de Janeiro Neide de Oliveira alertou sobre as dificuldades técnicas de identificação de computadores, durante a investigação de crimes como a pornografia infantil, por exemplo.
O problema se intensificou, no ano passado, devido a incompatibilidades entre os sistemas de IPs usados pelas empresas de telecomunicações do Brasil (IPv4) e pelos provedores de conteúdo sediados no exterior (IPv6), como o Google, por exemplo. Em vez de investir no sistema de IPs mais moderno, as teles brasileiras optaram por um aparelho, chamado NAT-44, capaz de permitir o acesso simultâneo de até 132 pessoas em um mesmo IP, segundo Neide.
"Desde janeiro, as pessoas estão partilhando o mesmo IP naquele mesmo minuto em que faz acesso a determinada página. E isso tem implicações criminais, por atrapalhar a investigação criminal; e a implicação de consumidor, porque eu mesma, por exemplo, não quero ser objeto de uma investigação criminal já que não fiz absolutamente nada, só porque o Brasil não tem um sistema de identificação unívoca de IP", disse a procuradora.
Bloco de IPs está esgotado
Neide explicou que, em 2014, a partir do uso mais intenso da internet pela telefonia móvel, esgotou-se o bloco de IPs no Brasil (padrão IPv4). É como se faltasse número suficiente para a identificação de celulares, por exemplo. Em vez de adquirir logo o padrão IPv6, já adotado na maioria dos países mais desenvolvidos e passível de identificação individual do computador, os provedores de acesso (empresas de telecomunicações) no Brasil preferiram investir no equipamento NAT-44.
Segundo Neide, as empresas brasileiras alegaram que o IPv6 é muito caro e complexo. Sua implantação no país será gradativa, iniciando-se pelas capitais. Para tentar solucionar o impasse, o Ministério Público exigiu que, nas investigações criminais, os provedores de conteúdo, pelo menos, repassassem os dados da chamada porta de origem, porém, houve resistência devido à falta de previsão legal.
O marco civil da internet obriga os provedores a guardar apenas os dados de IP, data, hora e localização dos acessos. A procuradora informou que será buscado um termo de ajustamento de conduta (TAC) com os provedores de conteúdo estrangeiros. Se a iniciativa fracassar, o próximo passo será uma ação civil pública na Justiça a fim de obrigá-los a guardar e disponibilizar as informações da porta de origem.
"Em uma investigação de crime de pornografia infantil, por exemplo, geralmente há mandado de busca e apreensão do computador suspeito, que é uma medida muito invasiva. Com IP partilhado, o Ministério Público não tem como saber, em princípio, qual computador investigar especificamente. Ao mesmo tempo, investigar todos viola direitos e garantias [constitucionais]", afirmou.
Compartilhamento de identidade
Um dos sub-relatores da CPI, o deputado Sandro Alex (PPS-PR), sintetizou a gravidade do problema. "Esse NAT-44, sendo o equipamento mais barato, não traz a solução adequada para a questão do IP. Vamos deixar claro: IP é como o RG de cada pessoa. É como se o meu RG fosse compartilhado com cento e tantas pessoas. Você pode estar envolvido junto com um pedófilo e o seu nome vai para a sociedade. E aí? Não se tem nem conhecimento de quem é o outro IP".
Para esclarecer esses problemas, a CPI deve marcar audiência pública com dirigentes do SindTeleBrasi, o sindicato das empresas de telecomunicações. Outro sub-relator, deputado Rodrigo Martins (PSB-PI), adiantou que a exigência de padronização dos sistemas de IPs fará parte do relatório final da comissão.
A procuradora da República em São Paulo Fernanda Domingos citou ainda a resistência de provedores estrangeiros em fornecer dados para as investigações do Ministério Público, apesar de intimações judiciais. "Eles alegam que os dados estão nos Estados Unidos. Não. Os dados estão em todo lugar hoje em dia: na nuvem, espalhados pelo planeta. Eles têm que cumprir a legislação do país onde prestam o serviço. O Facebook atualmente tem sido o nosso maior problema, inclusive porque comprou o Whatsapp, mas a gente não consegue intimar o Whatsapp, que não tem sede no Brasil", afirmou.
Segundo Fernanda, o Yahoo também é alvo de uma ação civil pública neste sentido. A procuradora argumenta que o marco civil da Internet já determina que provedores estrangeiros que operam no País devem cumprir a jurisdição brasileira, sem necessidade de tratado de cooperação internacional.
Operação Acrônimo
Nesta quinta-feira, os deputados da CPI aprovaram o requerimento que pede ao Superior Tribunal de Justiça o compartilhamento de todos os documentos relativos a inquéritos da Operação Acrônimo, da Polícia Federal, que investiga um esquema de lavagem de dinheiro por meio de sobrepreço e recebimento por contratos não executados com o governo federal desde 2005. A CPI também aprovou convites para depoimentos do delegado Fábio de Paula e do perito criminal André Magalhães, que atuaram em investigações da Polícia Federal sobre crimes cibernéticos.
Fonte: VG News