Registro de armas de fogo sobe 280% em oito anos
Segundo PF, há 33 mil licenças no país; presidente Jair Bolsonaro prometeu editar um decreto para facilitar a posse e o registro definitivo. Para ter direito à posse de armas, o cidadão deve ter pelo menos 25 anos, ocupação lícita e residência certa e comprovar capacidade técnica e psicológica (Clayton de Souza/AE/VEJA)
O número de registro de armas de fogo cresceu 280% em oito anos, segundo a Polícia Federal, com 33 mil licenças no país. O pedido de posse de arma pode ser feito por qualquer cidadão brasileiro, desde que cumpridos alguns requisitos, como ficha criminal limpa, exames de aptidão e comprovação de necessidade.
Neste sábado, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) anunciou, pelo Twitter, que pretende editar um decreto para garantir a posse e registro definitivo destes artefatos.
Em 2009, a quantidade de registros era de 8.679. O número subiu ano a ano, até atingir pico de 36,8 mil licenças em 2015. Os dados foram obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo via Lei de Acesso à Informação.
A lei que regula a posse prevê que armas de fogo possam permanecer na casa do proprietário ou no estabelecimento comercial. O candidato deve ter ao menos 25 anos e se submeter a exames de aptidão psicológica e capacidade técnica, além de apresentar a razão da efetiva necessidade, “expondo fatos e circunstâncias que justifiquem”, segundo a Polícia Federal.
Ao anunciar a medida, que suprime a análise do Congresso, Bolsonaro não detalhou o decreto que está em planejamento. Duas horas após a publicação, ele afirmou que deve incluir o Poder Legislativo no debate.
A flexibilização do acesso a armas foi uma das bandeiras de Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Em seu programa de governo, o eleito propôs reformular o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2013) para garantir o que chama de direito à legítima defesa. Alterações na legislação, entretanto, precisam de aprovação parlamentar.
A decisão de Bolsonaro de manter a facilitação para posse de arma foi tomada após conversa com o futuro ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro. O argumento do futuro governo é garantir a legítima defesa aos cidadãos.
Especialistas em Direito Constitucional afirmam que a proposta do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de alterar o Estatuto do Desarmamento por decreto pode trazer insegurança jurídica e sofrer questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), André Ramos Tavares afirma que para estabelecer o registro definitivo da posse de arma de fogo, por exemplo, seria preciso aprovar um projeto de lei ou editar uma medida provisória. “Ele pode dar prazo maior do que os cinco anos que vigoram hoje, mas não tornar definitivo por decreto. Isso traria uma insegurança jurídica para quem tem posse porque a lei continuaria em vigor”.
A advogada constitucionalista Vera Chemim ressalta que qualquer modificação para facilitar a posse de arma também precisa passar por aprovação no Congresso Nacional. “A lei impõe uma série de requisitos para quem quer ter posse de arma, como certidão negativa de antecedentes criminais e comprovação de capacidade técnica. Para alterar esses dispositivos, é preciso passar pelo Legislativo. Um decreto atropelaria o processo democrático”
Despachante e instrutor de armamento há quatro anos, Guilherme Dias diz que a demanda aumentou nos últimos meses, após a eleição de Bolsonaro. Ele conta que hoje atende de sete a oito pedidos de registro por mês. Em 2015, esse número não passava de três.
Pelo serviço da posse de arma, que inclui todos os trâmites exigidos — como valor da arma, treinamento, exames e taxas —, o despachante cobra cerca de 6 mil reais a 8 mil reais. Segundo ele, desde 2017 o interesse tem crescido, após a permissão do porte de arma para atiradores esportivos do local de treino até a residência.
“Este ano aumentou muito (a procura), está movimentado mesmo”, concorda o instrutor e advogado, Mario Viggiani Neto. Para ele, uma mudança na lei deve manter a exigência de provas de capacitação psicológica e de manuseio da arma. “Quem nunca pegou arma não adianta fazer a prova, que não passa. Tem de ter o básico, saber as regras de segurança, como se usa, como se municia. É como uma autoescola.”
Especialistas, entretanto, se preocupam com o número crescente de registros concedidos pelo Exército a atiradores esportivos. Mudanças nas normas de obtenção e transporte dos equipamentos atraíram milhares de interessados em obter arma e que encontravam dificuldade de obter a liberação via PF. Um dos temores é que a facilitação da posse aumente a circulação de armas ilegais.
Para o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, esse fenômeno está ligado à onda de descrença da população, com a escalada da violência urbana. “Em situações estáveis, onde o Estado funciona, as pessoas não veem necessidade de ter arma, até porque ela contribui para que a violência aumente”, diz. “É um mito que a arma de fogo é um bom instrumento de defesa.”
(Com Estadão Conteúdo)