Relatório expõe prática de tortura no Hospital Adauto Botelho
O Hospital Psiquiátrico Centro Integrado de Assistência Psicossocial (Ciaps) Adauto Botelho, em Cuiabá, foi classificado “como um grande depósito de pessoas acomodadas da maneira possível, sem qualquer tipo de individualização” e com tratamento de saúde cruel, desumano e degradante, “chegando a ser tortura”. Estas observações fazem parte do relatório da equipe do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, do Ministério do Desenvolvimento Humano, que vistoriou a unidade no dia 14 de julho deste ano.
O prédio do Ciaps é dividido em três grandes blocos, voltados ao acolhimento de pessoas em crise, moradores que estão em longo tempo de internação e a ala feminina. São 70 leitos e no momento da visita foi informado que haviam 65 pessoas internadas, mas documento oficial apontava 56.
Entre os primeiros pontos negativos apontados pela equipe está o fato do hospital não estabelecer projetos e propostas objetivas para promover a desinstitucionalização das pessoas internadas. “A manutenção dessa metodologia de acolhimento constitui terreno fértil à prática de tortura e tratamentos cruéis e desumanos”, diz parte do relatório.
Apesar da inspeção realizada pela equipe do Mecanismo Nacional identificar que a instituição apresenta uma infraestrutura precária, com pouca circulação de ar nos quartos, banheiros sem portas, inexistência de chuveiros na maioria dos banheiros e utilização de macas como cama, afirma que constatou também uma “naturalização do descaso para com as pessoas internadas”. “O nível de exposição, somado à vulnerabilidade das pessoas que ali estavam, é grave”.
Enquanto a saúde propõe o fim destas instituições, a equipe destaca que no diálogo com a administração da instituição foi possível identificar a tese de que aquele espaço poderia ser aperfeiçoado e a intenção de promover melhorias e reformas no hospital. “É flagrante, portanto, a total incongruência entre o desejo da direção e o imperativo da Lei 10.216/2001 assim como da Portaria 1727/2016 do Ministério da Saúde, que determina o descredenciamento da referida instituição do SUS”, aponta.
O relatório reforça que ao invés da direção se esforçar para que o processo de desinstitucionalização aconteça e o Ciaps encerre suas atividades, o movimento está no sentido contrário, de investir esforços para que mais dinheiro seja alocado em um espaço “sem condições de funcionamento não somente em razão de sua precária infraestrutura, mas, fundamentalmente, pela lógica manicomial enraizada no projeto de isolamento das pessoas”.
Pacientes são amarrados
O Ciaps Adauto Botelho já havia sido reprovado durante a inspeção realizada pelo Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH/Psiquiatria) do Ministério da Saúde o que resultou na indicação para seu descredenciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2016, o Ministério da Saúde publicou a Portaria MS 1727/2016, que traz uma série de recomendações ao Ciaps para a adoção de medidas com vistas a seu fechamento.
Uma das situações encontradas é apontadas como agravante e que ajuda a compreender parte da lógica de funcionamento da instituição. Durante a visita, peritos encontraram pessoas amarradas pelo peito, mãos e pés, dormindo em função do uso de medicação. O relatório aponta que a justificativa de uma enfermeira para o uso daquela contenção física e química seria o fato dos pacientes estarem agitados.
Relata que a profissional afirmou que a situação seria provisória e que ambos sairiam daquelas condições nos próximos minutos. A equipe do Mecanismo Nacional relata que foi conhecer outros ambientes e ao retornarem horas depois, as duas pessoas ainda estavam lá, com mais uma. “A contenção mecânica é o último dos recursos e só deve ser usada para conter condutas violentas ou de alto risco para a saúde e vida do próprio indivíduo, dos outros pacientes internados ou da equipe que o atende”, aponta o relatório.
“Resta evidente, portanto, que o Centro Integrado de Assistência Psicossocial Adauto Botelho faz uso de medicação não com a finalidade exclusiva de beneficiar à saúde, senão de exercer o controle das pessoas. Em outras palavras: a alta dosagem de medicamentos funcionaria como uma espécie de camisa de força encapsulada”.
Diretor aponta indignação
Diretor do hospital psiquiátrico Adauto Botelho, João Santana Botelho, afirma que está “indignado” com o relatório classificado por ele como “lamentável e hostil”. Ele explica que o sistema de contenção, que foi criticado no relatório, faz parte do protocolo de um hospital psiquiátrico, e que a medida é tomada após uma avaliação de uma equipe multidisciplinar composta por médicos psiquiatras, psicólogo, enfermeiro, assistente social, entre outros. “Essa contenção acontece quando essa equipe chega a conclusão que o paciente em surto oferece risco a si mesmo e as pessoas ao seu redor. Ela não acontece por acaso, é uma decisão de profissionais”.
Diretor do hospital psiquiátrico Adauto Botelho, João Santana Botelho, afirma que está “indignado” com o relatório classificado por ele como “lamentável e hostil”. Ele explica que o sistema de contenção, que foi criticado no relatório, faz parte do protocolo de um hospital psiquiátrico, e que a medida é tomada após uma avaliação de uma equipe multidisciplinar composta por médicos psiquiatras, psicólogo, enfermeiro, assistente social, entre outros. “Essa contenção acontece quando essa equipe chega a conclusão que o paciente em surto oferece risco a si mesmo e as pessoas ao seu redor. Ela não acontece por acaso, é uma decisão de profissionais”.
O diretor afirma ainda que é a favor da implantação da lei, que põe fim ao sistema manicomial, mas lembra que para que ela seja implantada é necessário que os municípios estejam preparados, que pessoas sejam treinadas, capacitadas, e a construção de outros sistemas ambulatoriais. Lembra ainda que muitos municípios não têm a mínima condição de atender a pacientes psiquiátricos e que a saúde mental é diferente de outras áreas da saúde. “Eu pergunto: temos isso? Se o Adauto fechar o que será desses doentes mentais?”.
Quanto às críticas sobre as reformas que estão sendo feitas no hospital, Botelho explica que a última reforma foi em 1993, e que o prédio precisa ser melhorado. “Estamos aqui, temos 70 leitos, temos 18 pacientes que vivem aqui há décadas, foram abandonados aqui. Vamos deixar cair tudo em cima?”. Ele afirma ainda que a intenção por trás do relatório é fechar as portas do local e deixa no ar uma pergunta “Qual serviço que temos hoje que vai substituir o do Adauto?”