Candidatas "laranjas" se dizem usadas e ameaçadas; Galli tenta abafar escândalo
Entrei sabendo que seria para cota das mulheres, mas eu realmente já tinha planos de sair candidata. Como eles me usaram, só consegui raiva e ameaça. As pessoas que contratei para trabalhar ficavam me chamando de nomes não muito legais, caloteira é o que eu posso falar". O desabafo é de Jhessika Cortez Silva, 31 anos que, mesmo temendo represália, aceitou contar ao a experiência de ter sido “usada”.
Jhessika é uma das 12 candidatas que disputaram uma vaga na Câmara de Cuiabá pelo PSC. Ela teve apenas 19 votos. Outra candidata não obteve nem sequer o próprio voto e outras duas conseguiram apenas 1 voto. A situação levantou suspeitas de que mulheres tenham sido usadas como laranjas e foi denunciada pelo Ministério Público Eleitoral, sendo que a chapa do PSC foi cassada, incluindo os vereadores eleitos Abilio Júnior e Sargento Joelson.
O localizou duas dessas candidatas, Jhessika e Ana Cristina Pimenta Ando. Ambas se sentem enganadas e prejudicadas. Além delas, a reportagem falou com Regina Miranda, que ajudou na campanha do marido, Márcio Miranda Pereira, que relatam ter enfrentado a mesma situação. Eles acusam o presidente estadual do PSC Victório Galli de tentar "abafar" a situação.
Como exemplo da "intimidação", Jhessika relata que em uma dessas reuniões, Victório Galli recolheu os celulares de todos os presentes e os colocou dentro de um balde, a fim de evitar que a conversa fosse gravada. “O Victório Galli pegou um balde lá de dentro do partido e falou para todo mundo por o celular dentro do balde para ninguém gravar a conversa”, relembra.
Regina detalha como o parlamentar reagia às cobranças feitas pelos candidatos no grupo de WhatsApp criado pelo partido. "Agora, o que o Victório, deputado federal faz? Ele liga para as pessoas e fala para as pessoas não falarem nada no grupo, que vocês estão criando prova contra vocês. Aí as pessoas ficam com medo, mas como eu falei lá, ninguém ali fez nada de errado, se alguém fez foi o partido."
Ela também comenta sobre uma ligação que recebeu de Galli, dizendo que já havia resolvido com a Ana a questão do repasse da estrutura de campanha prometida aos candidatos. “Ele falou que já tinha resolvido com a Ana, que era para eu parar de ficar assim no grupo porque já tinha conversado com ela.” Neste momento, Ana nega que ter feito qualquer acerto com o parlamentar.
Já a Executiva municipal, comandada pelo ex-veredor Oseas Machado, teria tentado maquiar a prestação de contas deles. O grupo explica que os candidatos conseguiram receber os valores gastos na campanha somente após a eleição, e por meio de cheques em nome de terceiros, supostamente oriundos de contratos fictícios.
“O Elias (Galli) deixou o contrato para eu assinar, que ele iria passar no outro dia e ele não passou. Tenho todos os documentos e vou entregar ao MPE. O contrato nós assinamos como se tivéssemos trabalhado no mês de setembro, mas recebemos em outubro. Está maquiada essa prestação de contas. Agora, não sei como que eles conseguiram fazer isso. Depois que fomos alertados pela advogada que contratos fechados depois da prestação de contas poderia ser caixa dois, aí caiu a ficha”, lamenta Regina.
Promessa
No início do ano passado, Jhessika foi cooptada pelo PSC para trabalhar no pleito e, posteriormente, foi chamada para lançar candidatura própria. Diante da promessa de que receberia estrutura avaliada entre R$ 9 mil e R$ 11 mil para impulsionar sua campanha, aceitou o convite. “Com esse dinheiro teríamos que fazer tudo, mas nunca aparecia o dinheiro. E com essa ajuda que eles prometeram, eu ia conseguir alguma coisa, mas o meu santinho foi chegar dia 23 de setembro, embalado numa sacola plástica.”
Em 2016, a campanha eleitoral teve início oficial em 15 de agosto e seguiu até 1º de outubro, véspera do pleito. Jhessika estima ter desembolsado aproximadamente R$ 4 mil em toda a campanha. “Tive que vender dois freezers, que eu ia abrir distribuidora. Também fiz empréstimo no banco, não foi muito, foram R$ 800, mas foi para poder aliviar e não ficar essas pessoas me cobrando em casa”, comenta.
Mário Okamura/Rdnews
Ana Cristina Pimenta Ando e Jhessika Cortez Silva em entrevista concedida à reportagem do Rdnews
Ela se emociona ao falar que naquele mês de campanha, o mesmo em que é comemorado seu aniversário, se viu sem material gráfico mesmo na reta final da disputa. “Eu cobrei o Oseias (Machado, ex-vereador) porque não tinha nada...”, diz entre lágrimas.
Ana Cristina descreve situação semelhante. Ela diz ter sido procurada, em maio do ano passado, pelo secretário-geral do PSC em Cuiabá Valdinei Iori que, primeiro, a filiou ao partido e pediu apoio à campanha de Oseas Machado (que obteve a suplência), o que ela recusou.
Então, Ana do Pão, como é conhecida, foi convidada a se candidatar. “Ele foi bem claro dizendo que eu não iria ganhar porque a primeira vez ninguém ganha. Então já era nítida a cúpula do partido apoiando o Oseas. Ele falou para apoiar o Oseas, que quando ele ganhasse, eu teria benefícios”, revela.
Ana lembra que foram liberados aproximadamente 500 santinhos para cada candidato do partido, porém já nas últimas duas semanas de campanha. “O dinheiro ficou retido tudo com eles. Não tivemos liberdade de mandar fazer o material gráfico. Ficou tudo preso com o Emerson da gráfica, que era da executiva. Então, o meu adesivo de carro eu peguei faltando quatro dias para a eleição”, completa.
E a falta de estrutura não é uma reclamação exclusiva das mulheres. Márcio Pereira disputou o cargo de vereador pelo PSC, em 2016, e conta que nas reuniões com o partido, a explicação para a ausência de recursos, ainda durante o período de campanha, era que a majoritária não estava repassando o combinado. À época, a majoritária lançava Emanuel Pinheiro (PMDB) para prefeito e Niuan Ribeiro (PTB) para vice.
Eles lembram que foram realizadas quatro reuniões, reclamam que não era lavrada a ata e que os membros da executiva chegavam nesses encontros com as decisões já tomadas. “Ninguém ali dentro tinha o direito de discordar”, critica Ana. “E até agora, se você tenta discordar, você é marginalizado”, acrescenta Márcio.
Para os candidatos, a executiva do PSC municipal tinha “candidatos preferidos”. “O presidente do partido era candidato a vereador, que é o Oseias Machado. Se ele era candidato a vereador, então para onde ia a verba primeiro? Começou sabe como? Nos santinhos. O Oseias começou a movimentação falando que podia começar a fazer campanha eleitoral, então os santinhos já tinham sido mandados fazer, na gráfica de um dos membros da executiva, porque é tudo conchavado”, acusa Ana.
Eles dizem que a promessa inicial era dividir em torno de R$ 350 mil entre os 39 candidatos lançados pelo partido - dinheiro esse que teria sido doado pela majoritária -, além do fundo partidário, que estimam ser da ordem de R$ 300 mil. “Se você pegar o que eu recebi, o que Márcio recebeu, o que Jhéssika recebeu, não dá isso. Não bate a conta. Entendeu? Então, quem recebeu esse dinheiro? Aonde foi parar o recurso do partido?”, questiona Ana.
Neste contexto, eles dizem que o partido alegou ter recebido apenas R$ 90 mil da majoritária e a "pouca estrutura" que receberam, atribuem a Emanuel. “Veio tudo do Emanuel, via partido”, diz Jhessika.
Acertos
Ana calcula ter recebido aproximadamente R$ 2 mil do partido após a eleição, para fazer pagamento de seus cabos eleitorais, mas só conseguiu o dinheiro após ameaçar levar o caso para a mídia. “O que passou, passou. Questão de dinheiro já resolvemos. O que não mudou foi que se não fizermos nada agora, ano que vem já tem eleição e a situação vai continuar". Jhessika diz ter recebido cerca de R$ 1 mil e Márcio em torno de R$ 7 mil.
Mário Okamura/Rdnews
Quadro mostra o cronograma de como foi a "campanha" e trâmites durante a eleição e por fim a decisão da Justiça sobre o caso
Declaração
Conforme consulta à base de dados da Justiça Eleitoral, por meio da Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, Márcio recebeu pouco mais de R$ 7 mil na campanha. Desse valor, consta que R$ 2,2 mil vieram da comissão provisória do PSC de Cuiabá e R$ 1,2 mil de Emanuel Pinheiro. Na prestação de contas de Jhessikal, está declarado que o total de recursos recebidos foi R$ 2 mil. Ana, por sua vez, R$ 4,1 mil.
Ana recebeu 268 votos, Márcio 104, e Jhessika 19.
Sentimento
Para Ana, a sensação que fica é que foram usados duas vezes. “Fomos usados e agora somos penalizados. No meu caso, eu não pude fazer campanha e gostaria de ter feito. Quem tem que ser punido é o partido, a executiva, a majoritária. Agora, nós? Que culpa nós tivemos? Eu estudo para fazer concurso. Já pensou durante oito anos eu ser penalizada? Que culpa eu tenho para ser penalizada?”, indaga.
Márcio se sente prejudicado moralmente e politicamente e pede que os erros sejam consertados. “É uma situação humilhante, deixa as pessoas a ver navios. Você fica envergonhado, sendo mal visto pelos seus próprios eleitores, cabos eleitorais, porque pensa que você está envolvido nisso”, diz Márcio. “As pessoas acham que nós recebemos e não fizemos o repasse”, acrescenta Ana.
Gilberto Leite
Santinhos distribuídos por Jhessika Cortez
Cota feminina
Ana defende que a cota de 30% destinada a mulheres seja aplicada também ao quantitativo eleito e não só aos candidatos. “Porque senão vamos continuar sendo usadas. E aí lança como candidata, mas lá na frente não tem a obrigatoriedade de ser eleita ou não. Então, tipo assim, eu preciso da assinatura dela. Foi a mesma coisa, colocou a assinatura dela aqui e pronto, já resolveu o problema. Agora se tivéssemos apoio para sermos eleitas também, aí seria diferente. Os partidos teriam a obrigação de nos ajudar também”.
Condenação
No dia 2 deste mês, os vereadores por Cuiabá Abilio Júnior e Sargento Joelson (ambos do PSC) tiveram os mandatos cassados pelo juiz Gonçalo Antunes de Barros Neto, da 55ª Zona Eleitoral. Eles foram eleitos no ano passado após obter 2.623 votos e 2.616, respectivamente. São acusados de abuso de poder e de fraudar a composição da lista de candidatos nas eleições de 2016. A decisão cassa todos os votos destinados ao PSC, se mantida pelas instâncias superiores, e vai alterar o quociente eleitoral, ou seja, a composição do Legislativo.
Já são quatro vereadores por Cuiabá acusados de usar candidatas “laranjas” nas eleições do ano passado. Além deles, já haviam tido o mandatos cassados os parlamentares Marcrean dos Santos (PRTB) e Elizeu Nascimento (PSDC).
Lúcia Carolina da Silva Gonçalves, que zerou nos votos, disse em depoimento ao MPE que se filiou ao partido no começo de 2016 e em agosto, faltando dois dias para o fim do prazo de registro de candidatura, foi procurada por Valdinei Iori, pois ele precisava de mulheres para fechar a cota, porque já tinham muitos candidatos homens. "Que para convencê-la a se candidatar ele afirmou que o partido forneceria estrutura financeira e material à sua campanha. [...] Em razão da falta de estrutura que havia sido prometida, a declarante não realizou nenhum ato de campanha eleitoral".
Dados do TRE
Neste ano de 2017, o Ministério Público Eleitoral ajuizou 45 ações na 1ª instância da Justiça Eleitoral para cassar os diplomas dos candidatos vinculados às coligações que supostamente utilizaram nomes de mulheres como candidatas laranja. A maioria delas mulheres não recebeu sequer o seu voto. Deste total, 10 ações já subiram para a segunda instância, ou seja, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), mas ainda não foram julgadas.
Até o momento houve a cassação, em primeira instância, dos diplomas concedidos a candidatos de três coligações em Cuiabá.
Gilberto Leite/Rdnews
Ex-vereador Oséas Machado, em evento que participou ainda quando era parlamentar
Outro lado
Ao , Oseas Machado nega ter participado de qualquer reunião para tratar de estrutura de campanha para os demais candidatos, pois estava focado em sua própria campanha. Salienta que doou ao partido material gráfico para quem não tinha condição financeira de adquiri-los. “Mas quem coordenou isso foi o Elias. Na verdade, quem deveria estar a frente seria eu, mas como decidiram que eu não deveria... Ainda assim, eu fiz doação ao partido. Na política brasileira é assim, quem sai candidato tem que correr atrás, não tem essa de o partido chegar e doar tanto”.
O suplente, que ocupa o cargo de secretário adjunto de Governo do município, também nega ter conversado com qualquer uma dessas mulheres para ser candidata. Destaca que os convites foram feitos por pessoas diversas. “Eu nunca sentei com Ana do pão, nunca mantive diálogo com ela. Se o Iori fez essa proposta, eu desconheço. Estou sendo vítima de um punhado de demandas e conversas que não fazem o meu perfil, fico até admirado colocar meu nome e não tratar resolver. Nunca sentaram comigo para resolver, acreditam em conto de fadas. Tem que conversar de frente”, cobra.
Quanto à prestação de contas do partido, explica que fez a do PSC, mas não dos candidatos. “Apesar de ser contador. Tinha me proposto a ajudar eles,mas não foi o caso, escolheram outro contador. Eu não ajudei porque não fui procurado para isso”.
Oseas pontua que o partido contratou outro contador para fazer a prestação dos candidatos. “O partido pagou um contador para fazer, me parece que essa pessoa fez acordo com Elias, Iori ou Victório. Combinaram para fazer a prestação de contas. Eu fiquei fora, fiquei excluído disso, mesmo assim o partido pagou para esse contador fazer das pessoas. Fez para ajudar”.