"Empresário da favela" vendeu R$ 4,1 milhões em respiradores falsos em MT
O Ministério Público do Estado (MPMT) revelou que o “empresário” que vendeu respiradores pulmonares falsificados ao custo de R$ 4,1 milhões à prefeitura de Rondonópolis (216 KM de Cuiabá) é morador de uma favela em Palmas, capital do Tocantins. A informação consta de uma ação civil pública assinada pelos promotores de justiça Gustavo Dantas Ferraz, Marcos Brant Gambier Costa e Wagner Antonio Camilo no dia 30 de julho de 2020.
Foram denunciados o prefeito de Rondonópolis, Zé Carlos do Pátio (Solidariedade), a secretária municipal de saúde, Izalba Diva de Albuquerque, e a gerente do departamento de administração e finanças da secretaria municipal de saúde Vanessa Barbosa Machado Alves, entre os gestores públicos que participaram da suposta fraude. Já no ramo privado, foram denunciados o “laranja” Jesus de Oliveira Vieira de Souza, o empresário Ramos de Farias e Silva Filho, e as empresas Life MED Comércio de Produtos Hospitalares, além da Ramos Empreendimentos Hospitalares e Medicamentos.
O MPMT pede contra todos eles o bloqueio de R$ 4,1 milhões, que a Junta Comercial de Mato Grosso seja proibida de transferir participações dos acusados em empresas, além da condenação do grupo por atos de improbidade administrativa. De acordo com informações da denúncia, as investigações preliminares do MPMT identificaram uma série de irregularidades no negócio.
Uma delas descreve que a Life MED, empresa que recebeu R$ 4,1 milhões para o fornecimento de 22 respiradores pulmonares, está no nome do “laranja” Jesus de Oliveira Vieira de Souza, morador de uma favela em Palmas. A compra foi realizada em abril de 2020 como uma das medidas para enfrentamento do novo coronavírus (Covid-19).
“Como não há sede da empresa, fomos então ao endereço do então proprietário, Jesus de Oliveira Vieira de Souza e constatamos que este indivíduo seria morador de uma região muito carente da capital de Palmas-TO, no bairro Jardim Auren e ao identificar a casa, falamos com a moradora que não quis se identificar, pois a casa era objeto de posse irregular perguntamos sobre a empresa do Sr. Jesus e a moradora informou com as seguintes palavras: - Empresa? O Jesus não tem empresa não, ele é peão igual eu”, diz trecho da denúncia.
A Life MED, na verdade, seria controlada pelo empresário Ramos de Farias e Silva Filho, proprietário da Ramos Empreendimentos Hospitalares e Medicamentos. Outra irregularidade apontada pelo MPMT foi o direcionamento no negócio pela prefeitura de Rondonópolis, que contratou a organização por dispensa de licitação.
DIRECIONAMENTO
Duas empresas privadas também participaram da disputa e deram propostas “similares” à Life MED. “Nesse sentido, as propostas de preços apresentadas foram elaboradas com o mesmo padrão de apresentação, mesma diagramação, exata descrição de produtos e similaridade na aposição de carimbos, indicando que foram realizadas por uma mesma pessoa, simulando a competitividade”, diz outro trecho da denúncia.
O MPMT também aponta indícios de superfaturamento na compra, revelando que cada respirador – que na verdade eram monitores cardíacos, culminando na fraude milionária -, custou aos cofres públicos R$ 188 mil. O órgão comparou uma outra aquisição, feita também por Rondonópolis, de respiradores pulmonares.
Cada um deles saiu por R$ 76 mil. Neste sentido, o órgão ministerial analisa que a falta de responsabilidade dos gestores públicos acarretou um sobrepreço de 146%, e um superfaturamento de R$ 2,45 milhões.
“Era perfeitamente previsível e detectável aos requeridos José Carlos Junqueira de Araújo, Izalba Diva de Albuquerque e Vanessa Barbosa Machado Alves, mediante uma simples conferência e diligências normais, que os preços oferecidos pela LIFE MED estavam absurdamente sobrevalorizados e representavam um manifesto risco de prejuízo concreto, como efetivamente representaram, posto que além do enorme sobrepreço (de 146,07%!!!)”, alertam os promotores de Justiça.
A denúncia também relata suspeita na entrega dos “respiradores falsos”, ocorrida em Goiânia (GO). Os promotores de justiça observaram que a prefeitura de Rondonópolis enviou uma pessoa sem qualificação para atestar o recebimento dos produtos e, logo em seguida, autorizou o pagamento milionário.
“Se acaso tivessem adotado tal simples cautela, ou seja, exigido do fornecedor Life MED que entregasse os equipamentos em Rondonópolis, para sua conferência por profissionais médicos qualificados, e antes de proceder ao seu pagamento, como deve ser a regular liquidação de despesa pública, os demandados teriam a tempo detectado que não
se tratavam dos equipamentos adequados, e teriam evitado consumação da fraude!”, observaram os promotores de Justiça.
A pessoa “destacada” para averiguar o recebimento dos aparelhos foi o gerente de núcleo de patrimônio da prefeitura de Rondonópolis, Marcos Fonseca de Menezes. Em depoimento à Câmara Municipal de Vereadores, ele admitiu que “não conhecia o produto” e que não tinha “conhecimento técnico para dizer se era o que tinha sido comprado”.
“Eu recebi, abri as caixas, retirei, tirei fotos, conferi juntamente com o manual de acordo com a descrição que eu tinha. Bateu a descrição? Bateu. Encaminhei as fotos. Daí em diante era o pessoal daqui que resolvia”, relatou ele.
Na avaliação do MPMT, a fraude, que teve destaque nos meios de comunicação de todo o país, “envergonhou” o município de Rondonópolis e que os suspeitos da compra milionários cometeram atos “indesculpáveis”. “Face à sucessão de equívocos e malfeitos indesculpáveis, e que atraem inequivocamente a responsabilidade de todos os envolvidos nessa famigerada e ímproba fraude que nacionalmente envergonhou toda a população rondonopolitana, em um momento de tanta fragilidade emocional, e que clamava por senso de responsabilidade e devotado espírito público, que faltaram aos requeridos!”, apontou o MPMT.
Caso a Justiça condene o grupo por improbidade administrativa, o prefeito de Rondonópolis, e os demais acusados, podem ter os direitos políticos suspensos e perder os cargos públicos que ocupam. Os suspeitos também estão sujeito a sanções na esfera criminal da Justiça caso sejam denunciados.
Fonte: folhamax