Brasileiros abandonam Saúde da Família para ganhar mais no Mais Médicos
"É despir um santo para vestir o outro", diz secretária de Saúde no Rio Grande do Norte, onde, dos 139 inscritos no Mais Médicos, 110 são profissionais que largaram o atendimento de Saúde da Família.
Feito às pressas para cobrir a ausência de 8,3 mil médicos cubanos que deixaram o programa Mais Médicos, o edital de inscrição para os médicos brasileiros está causando um caos nos pequenos municípios do país.
Isso porque muitos brasileiros que se inscreveram no Mais Médicos já atuavam em outro programa federal de atendimento, o Saúde da Família, que oferece menos benefícios para os profissionais.
"É despir um santo para vestir o outro. Vou apresentar para o Ministério da Saúde o caos que isso causou nos municípios do Rio Grande do Norte. De 139 inscrições para o Mais Médicos, diagnosticamos que 110 migraram das nossas próprias equipes de Saúde da Família", disse ao BuzzFeed News a secretária de Saúde Débora Costa, de São José do Seridó (RN).
Em São José do Seridó, um município com 4,3 mil habitantes a 270 quilômetros de Natal, Débora não conta com o Mais Médicos, mas tem dois médicos da estratégia de Saúde da Família, programa do SUS (Sistema Único de Saúde). Na verdade, tinha. Um deles já migrou para o Mais Médicos de outro município.
"A mesma situação já está sendo vista na Bahia, no Piauí. Além disso, aqui no Rio Grande do Norte havia 232 médicos cubanos e o edital só prevê a contratação de 139 vagas", disse a secretária, que preside o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Norte (Cosems-RN).
A secretária está concluindo um levantamento em todos os 167 municípios do estado. Segundo o Cosems-RN, das 898 equipes de Saúde da Família que responderam ao questionário, 221 estão sem médicos – sendo que 110 deles migraram para a Saúde da Família.
Charles Tocantins, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) e secretário de Saúde de Cametá (PA), disse que os benefícios ofertados pelo Mais Médicos, que prevê ajuda de custo para o médico, provocaram essa migração. A ajuda de custa varia de acordo com a localidade.
Ele disse que o Brasil nunca teve problema em completar o quadro de inscrições de brasileiros no Mais Médicos desde sua criação, em 2013 – o atual edital, por exemplo, está praticamente completo. Mas o problema vem a seguir.
"Os médicos brasileiros sempre se inscreveram, mas não se apresentam no município. Quando se apresentam, não se fixam [vão embora em poucos meses], e quando se fixam querem fazer acordo com os municípios."
Os acordos, segundo Tocantins, são para flexibilizar a carga de trabalho, de 40 horas semanais, ou os dias de dedicação ao programa. "Pagamos o profissional para 40 horas, mas ele cumpre a metade", reclamou o secretário.
Segundo ele, o Conasems orientou as prefeituras a não fazerem acordos individuais com os médicos. "Os cubanos tinham um papel regulador de mercado muito forte. Ele não podia exercer a medicina fora da unidade em que ele estava lotado e, ao fazer o papel de profissional de saúde com dedicação exclusiva, cumpria todos os parâmetros sanitários de saúde", disse Tocantins.