Imóveis na planta
Um projeto de lei muito importante vai ser analisado pelos senadores. Trata-se do Projeto de Lei nº 1.220/2015 que, modificando a Lei nº 4591/64 (Lei do Condomínio) e a Lei 6.766/79 (Parcelamento do solo), regulamenta a desistência da compra de imóvel na planta.
O referido projeto foi criado em meio a uma das maiores crises do setor e será apreciado no momento em que é esperado o reaquecimento dos negócios imobiliários. O objetivo é evitar as tantas demandas que são levadas ao Judiciário, como vem ocorrendo graças, sobretudo, às cláusulas abusivas introduzidas nos contratos.
O que está em jogo, mais uma vez, é o recorrente embate entre poderio econômico x direito do consumidor. Uma luta, diga-se, quase sempre perdida por este ultimo.
O consumidor só vai receber o que restar do seu dinheiro após uma longa espera, pois o prazo para a incorporadora começar a pagar inicia-se após o “habite-se”, que é concedido depois da conclusão do empreendimento
O Projeto inicial foi sofrendo emendas e a versão aprovada pelos deputados federais terminou por deixar, em muitos pontos, o consumidor em situação de grande vulnerabilidade.
Quando o consumidor compra um imóvel na planta, o Contrato que lhe apresentam para assinar foi redigido pela incorporadora cabendo ao consumidor apenas assiná-lo (aderir).
Esse Contrato é denominado de contrato de “adesão”. As cláusulas de penalidades nele estabelecido favorecem apenas à incorporadora, ficando uma “coisinha ou outra” em favor do consumidor, tudo para que não fique tão evidente a desproporção do contrato.
No citado Projeto de Lei as penalidades para os consumidores são agravadas se comparadas com as decisões atuais do Judiciário sobre o tema, ou seja, vai piorar a situação do consumidor que desistir do Contrato. Deduz-se, pois, que as alterações foram claramente feitas para dar às incorporadoras mais do que o Judiciário admite.
Após a estabilização da moeda, conseguida com o Plano Real, o Judiciário passou a ter que discutir o que seria uma multa abusiva em caso de descumprimento de uma obrigação ou contrato.
Na maioria das situações, os tribunais entendem que a multa prevista em cláusula penal que ultrapassar 20% é abusiva. O STJ estabeleceu em diversos julgados que a multa máxima ao consumidor que desistir do contrato de aquisição do imóvel na planta varia de 10% a 20% conforme o caso.
Se a culpa pela rescisão for da incorporadora, o consumidor recebe de volta o valor integral investido, devidamente atualizado.
O “pulo do gato” do Projeto de Lei em discussão é que a multa para o consumidor começa em 25% do valor investido e chega fácil a 50% se for incluída a taxa de corretagem (5% sobre o preço de venda) e outras despesas previstas em contrato.
O consumidor só vai receber o que restar do seu dinheiro após uma longa espera, pois o prazo para a incorporadora começar a pagar inicia-se após o “habite-se”, que é concedido depois da conclusão do empreendimento.
Se quiser receber antes terá que apresentar um comprador de sua unidade para ser aprovado pela incorporadora. A realização dessa transação, no entanto, é muito difícil de acontecer simplesmente porque, não é raro, a incorporadora oferecer àquele interessado outras unidades, caso em que lucra mais pois vende uma unidade e recebe a multa da outra.
Ademais, o novo cliente tem que assumir as mesmas obrigações do anterior ao passo que se comprar outra unidade em estoque será livre a negociação com a empresa.
O Projeto de Lei, na verdade, tem por objetivo apenas aumentar o valor da multa em desfavor do consumidor e alongar ao máximo o pagamento do que for devido ao consumidor - para começar após a entrega do empreendimento.
Em troca, concede ao consumidor tudo o que os tribunais já pacificaram em seu favor. O principal ponto negativo, portanto, é que, se aprovado no Senado, o que tudo indica irá acontecer, as empresas vão ter o direito de receber multas que hoje são consideradas abusivas pelo Judiciário.
O principal ponto positivo, se é que pode ser assim chamado, é que para o que restou de direito do consumidor pouco será necessário recorrer ao Judiciário.
Um exemplo é a hipótese em que o atraso da obra ultrapassar 180 dias, caso em que o consumidor poderá escolher entre receber de volta seu dinheiro atualizado acrescido da multa contratual ou ficar no imóvel e cobrar 1% ao mês, incidente sobre o valor pago à incorporadora, até o recebimento das chaves.
Não temos receio em afirmar que o projeto atende basicamente aos interesses das incorporadoras. Só em raros momentos de grave crise é que o distrato é prejudicial às incorporadoras e isso só se dá quando não há interessados nos imóveis, como ocorreu em 2016/2017, havendo grande estoque de imóveis novos para venda.
Quando o mercado está aquecido, o consumidor compra o imóvel na planta e o mesmo vai sendo valorizado conforme o andamento da obra. Se houver distrato durante a obra, a incorporadora retém uma parte do dinheiro do consumidor desistente e revende a unidade recebida por um preço maior, decorrente da valorização do imóvel, para um novo consumidor, ganhando com o distrato e com a nova venda.
Um só exemplo: em 2012 a PDG lucrou R$ 125 milhões apenas com os distratos, conforme mostra o seu balanço contábil. Com o Projeto de Lei aprovado, a incorporadora não terá gasto com o consumidor até o imóvel receber o “habite-se”, ou seja, além de reter muito mais dinheiro do que pode pela regra atual, terá mais prazo para pagar o que deve ao consumidor.
Este consumidor terá muitas dificuldades para comprar outro imóvel já que muitos precisam deste dinheiro para dar entrada em outra unidade.
Portanto, recomendamos que todos os senadores atentos ao direito do consumidor não aprovem o texto do Projeto de Lei, especialmente nas cláusulas referentes a multa de 25%, do pagamento somente após o “habite-se” e da possibilidade da incorporadora cobrar perdas e danos além do limite de 50% do valor investido pelo adquirente.
CARLOS RAFAEL DEMIAN GOMES DE CARVALHO e ANTÔNIO CARLOS TAVARES DE MELLO são advogados da Comissão de Defesa do Consumidor do Instituto dos Advogados Mato-grossenses (Iamat)