TJ nega 2º recurso e obriga irmãos a pagar R$ 169 mil a Arcanjo
Charles e Pâmela moram na residência desde 1993; eles alegaram omissão na decisão
A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) negou mais um recurso de Charles Vivian Cordeiro dos Santos e Pâmela Vivian Cordeiro dos Santos, filhos de um falecido ex-cambista que atuava para o ex-chefe do crime organizado em Mato Grosso, João Arcanjo Ribeiro.
No recurso, os irmãos pretendiam ter reconhecido o direito de posse sobre um imóvel de 455 metros quadrados pertencente a Arcanjo, em Sinop (501 km de Cuiabá), no qual residem desde 1993. A alegação era de usucapião – direito de domínio sobre um bem móvel ou imóvel em função de haver utilizado tal bem por determinado período de tempo.
A decisão é da última quarta-feira (2) e manteve, pela segunda vez, a a sentença dada em 1ª Instância pelo juiz Mário Augusto Machado, da 2ª Vara de Sinop, que os mandou desocupar o imóvel e indenizar Arcanjo em R$ 169,5 mil.
A ação foi ingressada primeiramente pelo pai, Reginaldo Cordeiro dos Santos, que trabalhava como cambista para Arcanjo na Colibri Loterias, banca que fazia o “Jogo do Bicho”.
Ele afirmou que detinha a posse pacífica da área desde 1993, tendo posteriormente construído uma lan house no local, cuja obra custou R$ 18 mil.
Reginaldo Santos disse que durante todo esse período de tempo nunca sofreu qualquer tipo de contestação ou impugnação de Arcanjo ou de quem quer que seja.
Ele morreu em novembro de 2010, sendo que os filhos assumiram a ação judicial e continuaram a morar no imóvel.
Já Arcanjo, que estava preso há quase 15 anos e foi solto em fevereiro deste ano, alegou que Reginaldo só tinha a posse do imóvel porque era seu funcionário de confiança na Colibri Loterias, tendo cedido a área de terra para que o então funcionário pudesse fazer o jogo do bicho naquele local.
Arcanjo então ingressou com outra ação para reivindicar sua posse sobre o imóvel, uma vez que já havia notificado Reginaldo em 2009 informando que pretendia locar a área, mas ele se recusou a sair.
O desembargador Rubens de Oliveira, relator do recurso
Em 1ª Instância, o juiz Mario Machado concordou com a defesa de Arcanjo. Segundo ele, os próprios irmãos e as testemunhas confirmaram que Reginaldo Santos usava o local como uma espécie de escritório para administrar o jogo do bicho.
O juiz então julgou improcedente a ação de usucapião e procedente a ação de Arcanjo, determinando a desocupação do imóvel em 30 dias.
Além disso, ele condenou os irmãos e a ex-esposa de Reginaldo, Sonia Vivian, a indenizar Arcanjo em R$ 1,5 mil por cada mês que permaneceram no imóvel, de agosto de 2009 até a data atual, resultando em um total de R$ 169,5 mil. O valor é relativo ao montante que Arcanjo deixou de receber em aluguéis desde a data em que notificou Reginaldo sobre a pretensão de locar a área.
Novo revés
No 1º recurso, os herdeiros argumentaram que a decisão deixou de analisar de forma adequada as provas da ação. Eles também afirmaram que não procede a afirmação de que no imóvel funcionava uma empresa de jogo do bicho, “já que não ficou comprovado com o CNPJ e/ou Contrato Social, não sendo suficiente a existência de pinturas na parede caracterizando a exploração daquela atividade ilícita, podendo até ser apenas propaganda”.
Para o relator do recurso, desembargador Rubens de Oliveira, não há o que ser alterado na sentença.
De acordo com o magistrado, as testemunhas foram unânimes em confirmar que no imóvel funcionava o jogo do bicho.
Desta forma, Rubens de Oliveira concluiu que a posse até então exercida na área de terra se deu apenas pela relação de emprego entre Reginaldo e Arcanjo. O entendimento foi confirmado pelo desembargador Guiomar Teodoro Borges e pela desembargadora Serly Marcondes.
No 2º recurso, os irmãos alegaram que a decisão da câmara havia sido omissa e embasada em depoimentos contraditórios, oitivas essas que não davam certeza sobre o suposto funcionamento da banca de jogo do bicho no local.
O argumento foi novamente rejeitado pelo desembargador Rubens de Oliveira, que mencionou ter ficado claro na decisão que todas as testemunhas foram unânimes em afirmar que o pai deles trabalhava para Arcanjo e residia no imóvel.
“O decisum ainda registrou que Antônio Dalvo Leite, mesmo declarando ser subordinado a Reginaldo e que até o ajudou nas obras de reforma, recebia seu salário diretamente dele (Reginaldo). E mais, que Manoel Leonardo de Castro e Sidnei Camargo asseguraram que naquele local eram entregues as sacolas das apostas. O primeiro (Manoel) ainda confirmou que a residência ficava nos fundos do imóvel e que na frente havia uma banca, onde fazia as suas apostas. Ressaltou, ainda, que essa prova, aliada ao fato de o domínio pertencer ao apelado e de Reginaldo ser o seu representante naquela localidade na exploração do jogo do bicho, realmente conduz ao entendimento da sentença recorrida”.
Segundo o magistrado, ficou incontroverso que Reginaldo morava no imóvel em razão da relação empregatícia que tinha com o ex-bicheiro, “circunstância que descaracteriza o exercício de posse de forma plena e com animus domini, necessário para o reconhecimento da Usucapião”.
“Desse modo, descaracterizada a posse ad usucapionem não há o que se falar em benfeitorias tampouco em indenização. Para ensejar a oposição de Embargos de Declaração, os vícios devem ser objetivos e verdadeiros e não apenas hipotéticos como no caso presente. Na verdade, a hipótese releva intuito de reexame da matéria, o que vedado nesta via. Desse modo, nego provimento aos Embargos de Declaração”, votou, sendo novamente acompanhado de forma unânime pela câmara.