OPINIÃO - Valternir Pereira: Vamos falar sobre Defensoria Pública
O amplo acesso ao Poder Judiciário foi consagrado na Constituição da República no artigo 5º, inciso XXXV, que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”.
Por princípio, fica evidenciado que todos (repito, todos) têm o direito de buscar o seu “direito” junto o Estado, mais precisamente junto ao Poder Judiciário.
Todavia, sabemos nós que, apesar da beleza do princípio, a realidade social é amarga. Nem todos, infelizmente, têm semelhantes chances de pleitear direitos.
Assim, partindo dessa realidade e com assento no princípio da isonomia, torna-se necessário tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida das suas desigualdades, sob pena de falecer o direito.
Ao juntar os dois princípios – amplo acesso ao Judiciário e isonomia jurídica – o Estado tem o dever de dar amparo às pessoas hipossuficientes, que não podem e não possuem condições econômicas para suportar os custos da demanda, em especial as despesas com advogados.
Ora, se no Estado Democrático de Direito a ninguém é dado o poder da autotutela – fazer justiça com as próprias mãos – é necessário, portanto, dar as condições para que a pessoa possa então exercer na plenitude o princípio do amplo acesso ao judiciário. Caso contrário, teríamos um falso Estado. Uma falsa democracia. Um falso direito.
Coube à gloriosa Defensoria Pública, instituição que tenho orgulho de pertencer, a função constitucional de oportunizar aos desiguais a igualdade jurídica de que tanto eles necessitam.
O Defensor Público é o advogado do povo. Dos menos favorecidos. Sua nobre missão constitucional é o de garantir e fazer valer os princípios do amplo acesso à justiça, a igualdade entre as partes e, sobretudo, de proporcionar uma sociedade mais justa.
Como assinalado por Hannah Arendt “a essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos”. Então, podemos dizer que a missão da defensoria pública é permitir às pessoas “o direito de ter direitos”.
A Organização dos Estados Americanos (OEA), durante a sua 41ª Assembleia Geral, realizada no período de 5 a 7 de junho de 2011, aprovou, por unanimidade, a Resolução n. 2.656, reconhecendo o acesso à Justiça como um direito autônomo, que permite exercer e proteger outros direitos e, ainda, o papel fundamental da Defensoria Pública Oficial para garantir e instrumentalizar o acesso à Justiça das pessoas menos favorecidas.
Nessa mesma Resolução constou a recomendação para que os Estados membros que já disponham do serviço de assistência jurídica gratuita “adotem medidas que garantam que os Defensores Públicos oficiais gozem de independência e autonomia funcional“.
Também recomendou que os Estados que ainda não disponham da instituição Defensoria Pública “que considerem a possibilidade de criá-la em seus ordenamentos jurídicos”.
O Brasil saiu na frente, vez que já possui previsão constitucional que garante a existência da Defensoria Pública. Todavia, é preciso avançar. É preciso fazer valer na prática a necessária autonomia administrativa e financeira, além da independência funcional. Isso passa pela votação e elaboração da lista tríplice por meio de eleições diretas para a escolha do Defensor Chefe, pela existência de orçamento realista e, sobretudo, pela dignidade salarial dos Defensores Públicos.
É o Defensor Público quem protege o direito da Criança e Adolescente, quem defende as mulheres vítimas da violência doméstica, quem atua na defesa dos interesses dos mais pobres, quem propõe ações civis públicas para garantir direitos coletivos de saúde, habitação, consumo, infraestrutura urbana e meio ambiente.
Na minha experiência de defensor público percebo que o papel da instituição não é apenas judicial, mas fundamentalmente de “pacificador” da sociedade, vez que atua, não raras vezes, no seio da família, promovendo reconciliações, prevenindo crimes, orientando e retirando pessoas do mundo das drogas, enfim, a Defensoria Pública é a última esperança daqueles que já perderam a esperança.
Em suma, a Defensoria Pública não é despesa. É investimento!
A sua ação preventiva evita a judicialização e, por conseguinte, desafoga o já tão assoberbado Poder Judiciário. Isto contribui para a diminuição dos custos do próprio Estado.
Se o advogado é indispensável à administração da Justiça. O Defensor Público, além de indispensável, é essencial para fazer valer os direitos dos menos favorecidos, igualando-os na condição plena de cidadãos.
Valtenir Pereira é deputado pelo PROS de Mato Grosso e defensor público por formação. Já foi vereador e está em seu terceiro mandato no Legislativo Federal.