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MORDOMIA AOS BANDIDOS: “O sistema de progressão de pena é uma verdadeira fraude”

331ff4d657ad2bfda25057454e09b4f2Titular da Procuradoria Especializada Criminal do Ministério Público Estadual (MPE), o procurador de Justiça Mauro Viveiros é crítico das falhas existentes no sistema de Justiça Penal, que, segundo ele, facilitam e incentivam a prática de crimes, assim como permitem a impunidade.

Para o procurador, há uma série de “piadas” inseridas na legislação penal que tornam a ida de criminosos para a prisão uma tarefa cada vez mais difícil, a exemplo das progressões de regime de cumprimento de pena, punições brandas para crimes contra a vida, mutirões carcerários e audiências de custódia.

“Nós temos um sistema de progressão de pena em que o sujeito comete um crime grave e cumpre 1/6 da pena inicialmente fechado; vai para o semiaberto, cumpre mais 1/6 e vai para o aberto. As penas até quatro anos de reclusão, o sujeito vai direto para casa. Não cumpre um dia de cadeia. E quais as penas que são máximo de quatro anos? Temos inúmeros crimes no Código Penal em que a pena não chega a quatro anos. O sujeito só vai para o sistema prisional fechado no Brasil se ele tiver um amigo no sistema penitenciário que o empurre para dentro da cadeia. Às vezes, ele até quer ir, mas não consegue”, afirmou, em entrevista ao MidiaNews.

Viveiros também opinou que o sistema de audiências de custódia, que passou a vigorar no Estado em 2015, foi incorporado sem criticidade e acabou por obrigar os juízes a libertar os criminosos presos em flagrante.

“Antigamente, o sujeito era preso em flagrante e respondia preso durante o processo. Por exceção, ele era solto. Hoje não, é o contrário. O flagrante não pode perdurar. Então, o juiz tem que converter o flagrante em preventiva. Então, o juiz, imediatamente, na audiência, tem que verificar se estão presentes os requisitos para a prisão preventiva. O problema é que o juiz não tem informação para fazer essa avaliação, porque o sujeito acabou de ser preso. A menos que seja um crime em que o sujeito decepou a cabeça do outro, o juiz não tem como manter o sujeito preso”, disse o procurador, que já atuou como corregedor-geral do MPE.

MidiaNews – O que precisa ser aprimorado na legislação penal em relação aos crimes comuns, como violência, latrocínio, homicídio?

Mauro Viveiros – De uma maneira geral, nós temos uma legislação muito branda para todo tipo de crime, sobretudo para esses crimes considerados hediondos. A legislação manda tratar com mais tipos esses tipos de crimes graves, que afetam a vida, que afetam o patrimônio, que trazem efetivamente esse desassossego para a sociedade. E a nossa legislação, embora tenha evoluído, ainda é uma legislação muito aquém, se comparada à legislação de outros países no que tange à defesa da democracia e dos valores sociais, que é o que importa.

Mas a nossa criminalidade está ligada a uma visão equivocada na aplicação do Direito. Há uma tendência do Poder Judiciário de colocar-se como o defensor dos direitos individuais. Ou seja, acentua-se muito uma das dimensões do papel da Justiça, que não é ser defensora dos direitos individuais. O papel da Justiça é aplicar bem o Direito, que é proteger os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, que são os bens jurídicos sociais, o que vai muito além de defender os direitos dos indivíduos. A dimensão individual é apenas um fragmento.

MidiaNews – O sistema de Justiça Penal foca no objetivo errado?

Mauro Viveiros – Em todo o mundo, o sistema de Justiça Penal é montado não para punir. Ele é montado para investigar e punir por exceção, não por regra. Ocorre que, em determinado momento, com a evolução da sociedade, a criminalidade ganha corpo e chega-se ao estado em que nós chegamos hoje. É preciso rever um pouco o acento que se coloca nesse papel de se punir por exceção. Um exemplo de como o sistema é montado para absolver, e não para punir: audiências de custódia.

MidiaNews -  Essa questão das audiências de custódia tem gerado indignação social, pois muitos criminosos presos por crimes graves os cometeram porque conseguiram ser soltos pouco antes justamente nas audiências de custódia...

Mauro Viveiros – Veja bem. Prende-se o indivíduo em flagrante delito e, imediatamente, põe-se o sujeito em contato com o juiz. Se ele foi preso em flagrante, deve aguardar o processo e, se for o caso, conseguir uma liberdade provisória no decorrer da ação. Mas, não. O sistema hoje exige que ele seja imediatamente apresentado a um juiz e, só por exceção, ele fica preso. Só por exceção, só se não houver outra hipótese de mantê-lo preso. Então, a regra é a liberdade. A regra é a liberdade mesmo para aqueles que foram presos em flagrante, o que é, ao meu juízo, uma deformação do sistema.

Mauro Viveiros 01-12-2017

"Um exemplo de como o sistema é montado para absolver e não para punir: audiências de custódia"

As sociedades atuais não toleram mais essa ideia, essa liberalidade total do sistema. Muitas dessas ideias, como as audiências de custódia, são importações acríticas feitas pelo Brasil de outros ordenamentos jurídicos completamente diversos do nosso. No sistema norte-americano, existe a ideia de que todo homem tem direito a um dia na Corte, que é o substrato da audiência de custódia. Todos terão o direito, o problema é quando. No nosso sistema e em outros sistemas, o sujeito é apresentado a um juiz, não necessariamente imediatamente. Nos EUA, o réu é imediatamente apresentado a um juiz porque lá o Ministério Público tem o poder de disposição da ação, ele pode negociar tudo, inclusive dizer que não haverá processo. Então, já faz um acordo com um advogado, leva o acordo e o juiz homologa no mesmo dia. O processo nem é instaurado.

Agora aqui, nós não temos essa possibilidade. O promotor de Justiça vai a uma audiência de custódia, assiste à Polícia trazer o sujeito que cometeu crime grave e ele assiste ao sujeito sair pela porta da frente do Fórum e nada pode fazer. Ele não é o senhor da ação penal.

MidiaNews – A audiência de custódia foi justificada para evitar irregularidades e arbitrariedades. Na prática, é isso que ocorre?

Mauro Viveiros – Uma coisa é aquilo que se apregoa, a teoria. Ninguém é contra a ideia de que o indivíduo, uma vez preso, seja levado diante do juiz para que este averigue a legalidade de sua prisão, e relaxe essa prisão imediatamente, caso essa prisão seja ilegal. Mas, na prática, o que acontece é que há uma tendência natural, uma orientação natural, ainda que velada, no sentido de que essas audiências foram feitas para soltar. E se solta. Porque a lei, de fato, passou a exigir que o juiz converta a prisão em flagrante em prisão preventiva. Esse é o ponto. Se for o caso de decretar a prisão preventiva, o juiz precisa converter o mais rápido possível, porque o flagrante não perdura mais.

Nesse ponto, o legislador fez um grande desserviço para a sociedade. Antigamente, o sujeito era preso em flagrante e respondia preso durante o processo. Por exceção, ele era solto. Hoje não, é o contrário. O flagrante não pode perdurar. Então, o juiz tem que converter o flagrante em preventiva. Então, o juiz, imediatamente, na audiência, tem que verificar se estão presentes os requisitos para a prisão preventiva. O problema é que o juiz não tem informação para fazer essa avaliação, porque o sujeito acabou de ser preso. A menos que seja um crime em que o sujeito decepou a cabeça do outro, o juiz não tem como manter o sujeito preso.

Quando o crime é horripilante, todo mundo sabe que precisa da prisão para garantir a ordem pública. Mas um crime que é “mais ou menos”, com um sujeito que cometeu um crime em outro Estado e o juiz não tem informação, acaba por colocar na rua. O problema é sistêmico, não é um problema de pessoas, não é um erro de um ou de outro que conduz a esse caos.

MidiaNews -  E quanto aos mutirões carcerários?

Mauro Viveiros – O senhor já ouviu falar que algum mutirão carcerário foi feito para prender alguém? Não. Percebe que o Conselho Nacional de Justiça e vários outros órgãos dizem, depois dos mutirões, que "nós encontramos 'x' presos que já haviam cumprido sua pena". Mas já ouviu esses órgãos dizer que estão processando os juízes e promotores que deixaram esses pobres coitados presos? Por que não se processa juiz e promotor se o réu estava preso além do tempo? Promotor e juiz tem dever de fiscalizar. Se não o fizeram, cometeram crime. E por que não foram processados até hoje? Porque é mentira. É falsa a notícia. Não se soltou "x" presos que já haviam cumprido pena. É mentira.

O que aconteceu é que eles resolveram acelerar os processos, soltar indivíduos que não deveriam estar soltos e aqueles que soltaram, soltaram com progressão de pena. Não é porque estavam além do tempo da pena, a pena está sendo cumprida até hoje. Esse sistema de mutirões é uma vergonha nacional porque é o reconhecimento da falência das Varas de Execução Penal. Significa que o Judiciário e o Ministério Público não estão cumprindo o seu papel. Porque é isso que passa para a sociedade quando solta levas e levas de presos, porque você conclui naturalmente que tem um juiz e um promotor nesta unidade que não estão cumprindo sua missão. E isso é mentira. Eles estão trabalhando diuturnamente. O problema não está no juiz nem no promotor, está no sistema.

Uma coisa é erro humano que nós cometemos. Outra são situações sistêmicas, como uma Lei de Execução Penal que funciona muito mal, produz injustiças graves. E os governantes não cumprem a sua função. Quando o Ministério Público promove ações civis públicas para obrigar os Estados a construir cadeias, lamentavelmente, o Judiciário não julga essas ações. De um lado, se fazem mutirões carcerários, e soltam-se levas e levas de presos. De outro lado, quando o Ministério Público quer obrigar os governantes a construir vagas, justamente para evitar a soltura desses criminosos, o Judiciário não julga essas ações. São raras as ações que se julgam, e quando se julgam, estas ações caem no vazio, no esquecimento, porque o próprio Judiciário não tem disposição para cumprir estas decisões.

Os governantes, portanto, cumprem as ordens judiciais que querem cumprir. Basta ver o que acontece na Saúde, na Educação. E quando um agente público não cumpre ordem judicial, ele comete crime e deve ser punido. E o que acontece quando se prende um secretário de Saúde, de Educação? O próprio Judiciário trata de soltá-los imediatamente.

MidiaNews -  Os milhares de processos acumulados na esfera criminal também não contribuem para esse caos?

Mauro Viveiros – Os processos que andam são só os processos de réus presos. Processo de réu solto não anda e, para aliviar o sistema, solta-se o réu preso. Essa é a regra. Imagina a dificuldade que é para um juiz conseguir levar um processo até o seu final. Se você solta, o processo não chega ao fim. Se você mantém preso, as possibilidades de recurso, de habeas corpus, são imensas. O sujeito tem três instâncias para percorrer; às vezes, quatro. É habeas corpus em cima de habeas corpus. O nosso sistema é esse: inoperância e ineficiência, na maioria das vezes.

MidiaNews -  A aplicação da delação premiada, que é recente, tem amenizado essa situação?

Mauro Viveiros – A colaboração premiada é a nossa esperança. A possibilidade de o Estado negociar, barganhar - é esse o termo mesmo, barganhar - com o criminoso dentro da lei, com controle judicial. Não tem outra saída, principalmente quando estamos falando de crime organizado. É esse o grande fenômeno que nós vemos no Brasil e que tem dado os resultados que têm dado. Nós só temos esses resultados hoje graças a esse instrumento. E é um instrumento do Direito Internacional, faz parte dos tratados que o Brasil assinou e que, em 2013, acabamos de regulamentar.

MidiaNews -  Também ocorrem muitas críticas ao sistema de tornozeleira, por conta de muitos dos usuários voltarem a praticar crimes. Qual a opinião do senhor sobre isso?

Mauro Viveiros 01-12-2017

"Essa promiscuidade toda no sistema prisional poderia ser evitada, se tivéssemos um compromisso maior de monitorar boa parte dessa gente que está lá dentro"

Mauro Viveiros – A tornozeleira é um instrumento essencial nesse processo. Nem tudo é caos. Precisamos melhorar as coisas boas e combater essas idiotices do sistema. A tornozeleira é uma das coisas mais importantes que surgiram, justamente porque ela permite aquilo que antes não se permitia, que é acompanhar e monitorar os passos do criminoso. Porque nem todos os criminosos precisam ficar recolhidos mesmo. Muitas vezes, se mantinha o sujeito preso porque não havia tornozeleira, não tinha instrumento para monitorá-lo. Claro que é um sistema novo, e precisa ser aperfeiçoado, mas ele tem dado muitos bons resultados.

Essa promiscuidade toda no sistema prisional poderia ser evitada se tivéssemos um compromisso maior de monitorar boa parte dessa gente que está lá dentro. Não há essa possibilidade. Então, precisamos fazer esses investimentos em tecnologia, em inteligência, para acompanhar os egressos do sistema.

MidiaNews – A progressão de regime também não é algo questionável? É comum assassinos e latrocidas pegarem penas altas, cumprirem poucos anos de prisão e, depois, acabarem em liberdade...

Mauro Viveiros – O problema é que nós temos um sistema de progressão de pena que é uma verdadeira fraude. Permite inúmeras fraudes e a Justiça quer aliviar, facilitar a vida dos governantes para que eles não precisem construir cadeias. Então, se coloca essa turma toda na rua. Como essas saídas temporárias em que temos situações paradoxais de indivíduos que matam os pais, e saem para visitar os pais no dia dos pais. Pais e mães, como o caso da Suzane Richtofen. Matou os pais, mas tem o direito sagrado de sair para visitar os pais, talvez no túmulo. É mais ou menos como aquela história do réu que matou os pais e, no júri, o advogado se encontrou sem defesa, o réu era confesso, as provas indubitáveis, não tinha mais o que dizer e, ao final, pediu aos jurados: “Clemência, senhores, o réu é um órfão”. Nós temos uma série de piadas no nosso sistema de Justiça que coloca o cabelo de muitos juristas de outros países em pé.

Nós temos um sistema de progressão de pena em que o sujeito comete um crime grave e cumpre 1/6 da pena inicialmente fechado, vai para o semiaberto, cumpre mais 1/6 e vai para o aberto. Nas penas de até quatro anos de reclusão, o sujeito vai direto para casa. Não cumpre um dia de cadeia. E quais as penas que são máximo de quatro anos? Temos inúmeros crimes no Código Penal que a pena não chega a quatro anos. O sujeito só vai para o sistema prisional fechado no Brasil se ele tiver um amigo no sistema penitenciário que o empurre para dentro da cadeia. Às vezes ele até quer ir, mas não consegue.

MidiaNews – O senhor, então, defende um endurecimento das penas?

Mauro Viveiros – O nosso Código Penal é voltado para punir com rigor os crimes patrimoniais, em detrimento dos crimes de violência contra a pessoa. Se o sujeito comete uma lesão corporal com pena de dois anos de reclusão, ele vai para casa. As pe,nas são deste tamaninho, muito pequenas no Brasil. Há uma descalibração nas penas. Crimes graves contra a integridade física são punidos com penas menores do que um crime patrimonial. Esse é um grande problema dentro da legislação.

Outro problema gravíssimo é que o legislador brasileiro concede uma margem de liberalidade ao Judiciário muito alta para aplicação da pena. As penas são fixadas em mínimas e máximas. Na maioria dos países, as penas são mínimas, médias e máximas. Elas são classificadas. Você tem dois anos de mínima, quatro de média e oito de máxima. Aqui no Brasil, é mínima e máxima, e há um espaço entre a mínima e a máxima que pode chegar a 700%. Significa que o juiz tem uma margem de liberdade de poder percorrer um caminho muito amplo para fixar a pena.

E nós temos a cultura da pena mínima no Brasil. Não se afasta da mínima. Se a mínima é de dois anos, aplicam-se os dois anos, dois anos e três meses, dois anos e oito meses. Dificilmente, o juiz passa da pena mínima, porque é uma cultura. E os juízes, em sua maioria, não sabem fixar a pena. A maioria dos recursos sobre as sentenças é por erros na aplicação da pena. E aí, o sujeito vai para a rua.

Quando o juiz erra na pena, qual a consequência? A consequência é que, se o juiz tivesse fixado uma pena de quatro anos, por exemplo, o crime não estaria prescrito. Se ele fixa uma pena abaixo disso, a prescrição é correspondente à pena aplicada, e, com isso, o crime pode estar prescrito. Fora isso, quando aplica a pena errada, ele aplica o regime aberto quando deveria aplicar o fechado.

MidiaNews -  Recentemente, um policial que participou do resgate de uma empresária foi baleado por um dos membros da quadrilha. E descobriram que esse criminoso já havia matado outras pessoas e foi solto por um erro do sistema. Esses erros são comuns?

Mauro Viveiros – Esse tipo de ocorrência é pontual. Mas ele é suscetível de ocorrer, teoricamente, em muitos casos. Porque nós ainda não temos um sistema integrado que permita acompanhar a situação em todos os Estados. O sujeito pode ter cometido o crime em outro lugar e não ter mandado de prisão comunicado ao sistema. O Conselho Nacional de Justiça criou um banco de dados de mandados de prisão, que é um instrumento importante.

Mas, é preciso lembrar que esses criminosos habituais usam muitos documentos falsos. O que tem sido muito frequente é isso: o sujeito usar documentos de parentes para cometer crimes. Tivemos três ou quatro casos de indivíduos que usaram documentos de parentes e o condenado foi o parente. O sujeito é processado com a identidade do parente e não revela a sua identidade, porque não é do interesse dele. Quando é condenado, o parente vem com uma revisão criminal alegando que não cometeu o crime e que foi erro da Justiça. Felizmente, nesses casos a revisão é julgada procedente e os registros no nome dele são cancelados, mas isso não elimina os processos do verdadeiro autor, que está preso.

FONTE: MÍDIA NEWS

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