MT pagou por obras que não saíram do papel
Nos contratos auditados pela Controladoria-Geral do Estado (CGE), que descobriu pagamentos irregulares da ordem de R$ 1,03 bilhão realizados pela gestão do ex-governador Silval Barbosa (PMDB) a fornecedores, a maior parte dos desvios ocorria por meio de serviços não executados e mesmo assim quitados. Dos contratos verificados, chamou a atenção a falta de fiscalização por parte das secretarias. Em uma das medições, por exemplo, um servidor era apontado como fiscal do contrato, mesmo dois meses após ter falecido.
Depois da conclusão dos 90 relatórios e a geração de economia garantida de R$ 290 milhões, o trabalho dos órgãos de controle busca a devolução de mais de R$ 750 milhões, por meio de processos judiciais e administrativos. Secretário-controlador geral do Estado, Ciro Rodolpho Gonçalves explica que o trabalho obedeceu o planejamento de técnica de auditoria.
A intenção era seguir aquilo que é mais significante para Mato Grosso. “Naquele momento, o mais importante eram os contratos de maior vulto financeiro, que tinham histórico de indícios de irregularidades e repercussão social imediata”.
Com base nesse planejamento, foram elencados os contratos que somavam R$ 5,2 bilhões.Com os contratos definidos, a concentração da força de trabalho existente na CGE se deu em sete áreas da gestão, as contas da Secretaria de Estado de Infraestrutura (Sinfra), de Cidades (Secid), de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), de Educação (Seduc), além dos incentivos fiscais e dos restos a pagar deixados por Silval ao fim de seu mandato.
A falta de controle na destinação do dinheiro público, como mostram dois contratos firmados pela Sinfra, resultou em casos clássicos de superfaturamento. Tecnicamente, há uma diferença entre o que se chama de superfaturamento e sobrepreço. No primeiro, o serviço é pago mesmo sem ser prestado e, no segundo, os preços aplicados são superiores aos valores de mercado dos bens ou serviços.
O resultado de tal descontrole afetou diretamente a qualidade da prestação de serviços por parte do Estado.
GERENCIAMENTO –
Um dos casos que mais chamaram a atenção dos auditores foi o da empresa contratada pelo governo para gerenciar as 40 ordens de serviço emitidas dentro do programa MT Integrado, projeto que deveria melhorar as condições de infraestrutura de Mato Grosso, uma das principais reclamações da população do interior. A empresa deveria receber pelo serviço R$ 35,5 milhões por ano.
No contrato firmado, a gerenciadora justificou o valor dos serviços pela necessidade de se contratar 197 profissionais, entre engenheiros, laboratoristas, topógrafos e funcionários da área administrativa, que produziriam relatórios de andamento e qualidade das obras do MT Integrado. Durante os 16 meses em que o contrato vigorou, a empresa teve, no máximo, 65 pessoas atuando nos trabalhos. “Isso refletiu na qualidade dos relatórios produzidos e, consequentemente, na qualidade das obras entregues à população”.
Para chegar a este número, os auditores solicitaram à gerenciadora a apresentação de uma lista com os nomes dos 197 profissionais contratados para a realização dos serviços. “Esta foi aquilo que chamamos de nossa pedra de toque”, ressalta Ciro.
Isso porque a empresa apresentou uma lista com 165 nomes, número já abaixo do prometido em contrato em destes, 68 não constavam na Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP). “Esse contrato tinha que ter funcionado bem, sob pena de termos obras precarizadas, como vimos posteriormente”.
Analisando a situação das obras que teriam que ser fiscalizadas pela gerenciadora, foram encontrados serviços pagos e não executados da ordem de R$ 4,5 milhões. “Notificamos as construtoras para a realização dos serviços e o Estado aplicou multas por atraso, notificações de refazimento, entre outras medidas”.
Já a gerenciadora teve o contrato rescindido, gerando economia imediata de R$ 12 milhões e será cobrada a devolver outros R$ 20 milhões por conta da falta de profissionais contratados.
Outro caso que chamou a atenção foi o da empresa responsável pela manutenção de rodovias não pavimentadas, as chamadas patrulhas mecanizadas. Contratada em 2011, a empresa recebeu cerca de R$ 41 milhões ao ano, para a realização dos serviços. Até dezembro de 2014, o Estado pagou R$ 123 milhões por 350 trabalhadores. “Entre as obrigações da empresa estava a necessidade de envio de relatório com todos os nomes para que a Sinfra soubesse quem estava em cada uma das frentes de trabalho. Nos três anos, isso nunca foi feito”.
Além disso, a empresa cobrou do Estado horas-extras, sem recolher o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) por estes valores, apresentou notas que posteriormente foram canceladas e não pagava o seguro dos trabalhadores. “A questão das horas-extras nos chamou a atenção, porque em todos os meses eram cobradas na mesma quantidade, um forte indício de jornada de trabalho fictícia. Além disso, as medições não eram assinadas pelos servidores que deveriam atestar os serviços e mesmo assim eram pagas”.
Neste sentido, outra prova do descontrole da situação, um engenheiro, que havia falecido em março de 2014, aparecia como responsável por uma medição realizada em maio, dois meses depois da sua morte. “Já garantimos uma economia de R$ 8 milhões neste contrato, e temos a chance de recuperar outros R$ 21 milhões. Um novo processo licitatório foi aberto pela Sinfra e, até lá faremos uma fiscalização intensa no cumprimento deste contrato”.
Por: Gláucio Nogueira | A Gazeta