Lei de abuso de autoridade pode impactar em jornalismo policial
Jornalista: Gabriela Vinhal / Fonte: Metrópoles
O artigo 14 do projeto prevê que fotografar ou filmar o indivíduo sem autorização com intuito de expor a pessoa será configurado como crime
A lei de abuso de autoridade pode interferir na cobertura policial pela imprensa, avaliam especialistas. No texto aprovado na última quarta-feira (14/08/2019), na Câmara dos Deputados, o artigo 14 configura como crime “fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública”. Com isso, advogados e integrantes da Polícia Civil afirmam que coberturas de crimes teriam de ser readaptadas.
O delegado Rafael Sampaio, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ), que representa mais de oito mil delegados no país, atribui ao projeto aprovado “muita subjetividade” e alega que a lei vai aumentar a insegurança jurídica dos policiais civis, além de prejudicar o trabalho da imprensa. “O texto traz elementos altamente subjetivos e incertos. Vai gerar um prejuízo imenso também à imprensa e à sociedade, que vai deixar de reconhecer um criminoso”, explica Sampaio.
Para o policial, a divulgação de imagens e a cobertura da imprensa em casos polêmicos, que são de interesse público, podem perder detalhes. Sampaio explica, como exemplo, casos de estupro, em que, por “estratégia e necessidade da polícia”, divulgam a foto do suspeito para que outras vítimas possam reconhecê-lo ou que a sociedade ajude a denunciá-lo, quando estiver foragido. A pena para o agente que cometer a prática é de seis meses a dois anos de reclusão, além de multa.
“Muitas vezes, quando há a denúncia, mas não tem material biológico, divulgamos a foto do suspeito para ajudar no reconhecimento dele. Vai tirar nosso ímpeto em tentar solucionar alguns casos”, justifica. Apesar de criticar pontos da lei, Sampaio reconhece a necessidade de aprimorá-la. Mas chama a atenção para a necessidade de se implementar novos mecanismos de atuação por parte do treinamento policial. “Tem que haver, então, um novo protocolo a ser seguido pelos policiais. Porque o projeto gera, naturalmente, uma omissão defensiva”, destaca.
O advogado Willer Tomaz, do escritório Willer Tomaz Advogados Associados, avalia, contudo, que a prática de divulgação da imagem sem controle viola o direito individual do preso. Isso porque, se o suspeito for eventualmente inocentado, já terá sido exposto à sociedade, com danos que podem ser muitas vezes irreversíveis. “Ele tem o direito de se preservar. A partir do momento que é detido, ele está sob tutela do Estado. Muda o modo como é apresentado à mídia, mas não prejudica o trabalho da polícia”, explicou.
Para Tomaz, o abuso de autoridade é uma realidade na administração pública, que não deve “se escudar” na função de agentes de segurança pública, juízes ou membros do Ministério Público. “Não existe irresponsabilidade perante à Constituição, cabendo a todo agente público, seja qual for, um agir conforme o interesse público”, acrescentou.
Mudar a cobertura
Assim como o advogado, o relator do projeto, deputado Ricardo Barros (PP-PR), destaca que em nada interfere no trabalho do policial. No entanto, admite que pode mudar o modo como a imprensa atua nas coberturas dos crimes. “Não pode expor o preso ao ridículo. Se alguém for preso e, depois de cinco anos, é dado como inocente?”, completou. O relator, contudo, alega que esse não é o objetivo da lei, mas “o texto como está escrito pode ser interpretado dessa forma se houver algum tipo de exposição do preso”.
Entretanto, explicou que o caso de divulgação de imagens de procurados não deve ser enquadrado no dispositivo. “Se a pessoa está foragida, é um outro tipo de operação. Não é expor o preso. Não acredito que seja esse o problema da lei, que busca preservar a integridade da pessoa. A pena para quem cometeu eventualmente algum crime é cadeia, não execração pública”, pontuou. O parlamentar disse ainda que o único ponto do projeto que pode ser vetado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL) deve ser o trecho sobre o uso de algemas. Se houver outros, “podem cair”, afirmou.
A ADPJ vai divulgar, nos próximos dias, uma nota técnica em repúdio ao projeto de lei aprovado. Para tentar articular vetos à matéria, integrantes da segurança pública e do Judiciário pretendem buscar, conjuntamente, um encontro com Bolsonaro para solicitar, “de forma técnica”, uma reflexão sob o texto, para definir o que deve ser vetado ou mantido. “A ideia é ter essa conversa até o fim da semana que vem”, disse Sampaio.
Uso de algemas
Outro ponto criticado pela categoria é o artigo 17, que prevê abuso de autoridade ao uso de algemas ou qualquer outro objeto que restrinja os movimentos dos membros do preso, internado ou apreendido, quando não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física dele, da autoridade ou de terceiro. No entanto, há uma forte tendência por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro, de vetar o trecho.
Isso porque, em 2008, a Corte aprovou uma súmula que prevê o uso de algemas “em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Segundo o projeto de lei, a pena para a prática é de detenção de seis meses a dois anos, e multa. Se o episódio ocorrer com internados menores de 18 anos ou se a presa, internada ou apreendida estiver grávida no momento da prisão ou se o fato ocorrer em penitenciária, a pena é aplicada em dobro. Ou seja, pode variar de um a quatro anos.
O que o texto prevê
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (14/08/2019) o projeto de lei 7596/17, do Senado Federal, que define os crimes de abuso de autoridade cometidos por servidores públicos e membros dos três poderes da República, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de Contas e das Forças Armadas. Agora, haverá a análise de destaques.
De acordo com a proposta, os crimes de abuso de autoridade serão configurados quando as condutas tiverem finalidade específica de prejudicar outra pessoa ou beneficiar a si mesmo ou a terceiros ou “por mero capricho ou satisfação pessoal”.