DROGAS SINTÉTICAS: "Quem vende está inserido na elite e não se considera traficante"
Delegado Vitor Hugo Teixeira alertou para o crescimento do tráfico de ecstasy
O uso de drogas sintéticas, como o ecstasy, tem crescido em Mato Grosso desde 2012. Segundo o delegado Vitor Hugo Bruzulato Teixeira, as apreensões desses entorpecentes estão batendo recordes nos últimos meses.
Em 2012, a Delegacia de Repressão a Entorpecentes chegou a apreender 800 comprimidos da chamada droga do amor. No ano passado, foram cerca de 500.
Porém, em apenas uma ação realizada em abril deste ano, os policiais encontraram 1.115 comprimidos com um empresário. Já em maio foram apreendidos mais 300.
“Foram quase 1.500 comprimidos de ecstasy nesse ano. É o recorde da história do Estado de Mato Grosso”, apontou o delegado.
Conforme Teixeira, os traficantes de drogas sintéticas não se enxergam como criminosos. O delegado explica que, por fazerem parte da elite, eles têm a cultura de que aquele entorpecente é um estimulante.
“Eles ficam revoltados quando há uma ação policial”, afirmou.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - Quais as principais drogas sintéticas apreendidas na Grande Cuiabá nos últimos meses?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Nós tivemos aumento no uso e, consequentemente, na apreensão dessas drogas sintéticas. A quem vem mais sendo utilizada é o ecstasy. Esse ano nós fizemos a maior apreensão da história aqui na Região Metropolitana. Em uma só ação, foram em torno de 1.115 comprimidos. É a conhecida droga do amor. Um empresário estava vindo de São Paulo com essa droga e nós apreendemos já no desembarque. É uma droga que tem origem na Holanda e que está difundindo aqui no Brasil nos últimos anos. O Estado que mais consome é Santa Catarina, mas está havendo uma evolução nos demais Estados, assim como Mato Grosso.
É comum os traficantes dessa droga não ficarem com 500 comprimidos. Eles ficam com pequenas quantidades justamente para disfarçar a ação policial. Mas a delegacia tem a preocupação com esse crescente. Por isso fizemos algumas ações. Esse ano foram 1.115 em abril, em maio tivemos a apreensão de mais 300 comprimidos. Foram quase 1.500 comprimidos de ecstasy nesse ano. É o recorde da história de Mato Grosso.
O ano passado não chegou a 500 comprimidos. A maior apreensão que já tinha sido feita foi em 2012, de 800 comprimidos. Desde 2012 já tem uma ação forte dessa droga.
MidiaNews - A Delegacia age fora da Grande Cuiabá, em outras cidades do interior, por exemplo?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - A delegacia tem atribuição estadual, tem atuação no Estado todo. É lógico que, pelas dificuldades que nós temos de efetivo, estrutura, ela acaba sendo mais forte aqui. E também a concentração de pessoas. Um terço da população do Estado mora aqui na região metropolitana. Então as ações mais incisivas são realizadas aqui.
MidiaNews - Qual o perfil do usuário das drogas sintéticas?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Essas drogas são utilizadas pela elite, por uma classe média alta até a classe alta. E os comprimidos são muito pequenos. É fácil de transportar, de portar, dificultando a ação policial. Um comprimido é facilmente escondido. Além disso, nem todos os policiais estão preparados para verificar que aquele comprimido é uma droga ou pode estar mascarado como outro medicamento qualquer.
Em geral, os usuários são jovens que têm um gosto muito grande por essas baladas, pela diversão noturna. De até 25 anos. Mas ainda tem pessoas de 30 e poucos anos que ainda curtem, mas a maioria é bem jovem.
MidiaNews - E qual o perfil do traficante?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Já é um perfil de classe média alta para cima. Não é igual um traficante de pasta-base, que é vendida de R$ 5 a R$ 10 em uma boca de fumo. Ela é mais elitizada. Um comprimido custa de R$ 70 a R$ 100. Isso varia de região para região. Às vezes a pessoa utiliza cinco comprimidos em uma balada - aí já foram R$ 500. Não é para qualquer um. E, consequentemente, a pessoa que comercializa, que faz o tráfico dessa droga, também tem que estar inserida nesse contexto, tem que estar inserida com a classe alta, com a elite. Não vai adiantar um menino da comunidade entrar em uma balada, onde só para entrar talvez custe R$ 500.
MidiaNews - A DRE tem mapeado quais são os principais traficantes deste tipo de droga no Estado?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - O que a gente tem feito é um levantamento dos principais pontos onde há uma frequência na utilização. É comum nessas baladas, casas noturnas, onde há comercialização do ecstasy, haver um consumo muito grande de água. Às vezes nem bebida alcoólica há nessas casas. O ecstasy causa desidratação e a pessoa consome muita água. Então só por aí já facilita a nossa atuação nesse mapeamento dos locais onde são utilizadas as drogas. Às vezes o local recebe caixas de agua mineral e nenhuma de uísque ou bebida alcoólica no geral, que em qualquer outra casa noturna seria normal. Já chama atenção.
MidiaNews - Esses traficantes de droga sintética também atuam no comércio de cocaína e maconha?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Dificilmente. São mercados muito diferentes. Quem mexe com maconha dificilmente vai vender cocaína. E a droga sintética também é muito difícil. Os consumidores são muito diferentes. A maconha ainda está desde a classe pobre até elite. Já a cocaína e o ecstasy já são de um público mais elitizado.
MidiaNews - Muitos traficantes também são usuários. E muitos não se consideram traficantes, não é mesmo?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Eles não se consideram. Eles acham um absurdo a ação policial. Eles acham o cúmulo serem considerados traficantes de droga. A cultura deles é de que aquilo ali é um estimulante. Eles ficam revoltados quando há uma ação policial. Mas é importante frisar que o ecstasy é um derivado da anfetamina. Pode ser classificado como uma droga semelhante à cocaína, mas é uma anfetamina. Os efeitos são alucinógenos. Nós tivemos um caso de óbito de um jovem que consumiu muito ecstasy. A morte dele não foi pela droga, mas foi por beber muita água e sofreu uma parada respiratória pelo excesso de água nos pulmões.
MidiaNews - Atualmente há muitos produtos que nem sequer são caractegorizados como droga porque não são nem conhecidos das autoridades. O senhor já deparou com algum produto que não sabia nem o que era?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Constantemente a gente recebe aqui dos Correios produtos que são identificados no raio-X. Na dúvida, eles encaminham para a delegacia ou para a Polícia Federal para que esse material seja periciado. E é comum vir em uma embalagem de fora com alguma substância e verificar que é um tipo de droga. E é difícil a investigação porque, como eles já sabem, eles não colocam o endereço verdadeiro e principalmente o remetente.
MidiaNews - A Polícia Civil tem tecnologia para fazer a identificação destas novas drogas sintéticas, até para que seja configurado o crime de tráfico?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Não. Nós precisamos do auxílio da Politec, que é quem faz esses exames periciais. Isso é rápido. A droga é periciada e na hora sai um laudo de constatação preliminar. Ali já identifica. Aí depois de 30 dias você pega o laudo definitivo.
MidiaNews - A Delegacia monitora o tráfico deste tipo de droga em festas eletrônicas? Vocês constumam se infiltrar em eventos?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Sim. As ações têm que ser assim. A gente usa todos os tipos de técnicas e uma delas é a infiltração nesses locais. O policial frequenta essas baladas. São técnicas que estão dando certo. Às vezes essa comercialização não é falada por telefone e a gente tem que acompanhar.
MidiaNews - Nos últimos dias, houve ao menos três apreensões de skunk em Mato Grosso, o que era raro antigamente. O senhor tem notado um aumento no número de apreensões desta droga?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Sim. Inclusive nós apreendemos aqui quase 300 quilos. A sociedade vai evoluindo é a mesma coisa no mercado da droga. Ele vai se aprimorando. O mercado produtor conseguiu potencializar a maconha, que é o skunk, só que tem um preço embutido ali. Ela é mais cara. Ela é embalada a vácuo, tem todo um preparo. Da mesma forma é o consumo da droga. Você tem uma demanda muito grande e os produtores vão se adequando ao mercado. E o mercado da droga está sempre em evolução.
MidiaNews - Como policial que atua no combate, que conselho o senhor dá para os pais cujos filhos frequentam festas de música eletrônica? Todas oferecem risco?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - Eu não gosto de generalizar. Eu não posso afirmar que todas as casas noturnas têm risco de drogas. Infelizmente os dias mudaram. A criminalidade está aí e é tudo por conta do trafico de drogas. Eu não tenho nenhuma dúvida de que o aumento do tráfico de drogas gerou o aumento da criminalidade, da violência, de crimes patrimoniais. A gente vê crimes praticados de forma bárbara, roubos com uso de violência, homicídios praticados em razão da droga.
O que a gente orienta os pais é ter muita atenção e acompanhamento dos filhos. Verificar as companhias, o local onde está indo, buscar conversar com outras pessoas sobre o local, até mesmo da utilização de bebida alcoólica, que é muito comum entre os jovens e é a porta de entrada para utilização de drogas mais potentes e proibidas. Às vezes a casa noturna vende ou outra festa. Se reúnem também em chácaras, lugares afastados com convite VIP. Às vezes nem venda ingresso, as pessoas são escolhidas a dedo. Isso é comum também. É justamente para selecionar as pessoas e dificultar a ação policial - isso dificulta a infiltração. Os pais têm que ficar muito atentos com os filhos. Saber onde vai, com quem vai, a hora que vai chega em casa, se possível até acordar para ver o estado que ele está, o comportamento no dia a dia mesmo.
MidiaNews - Como está o combate às outras drogas como maconha e cocaína na Grande Cuiabá?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - O combate é diário. Os meliantes ganham muito dinheiro com tráfico de drogas. Nós apreendemos recentemente 500 quilos de cocaína. Toda semana estamos pegando carregamentos de maconha que seriam distribuídos aqui. A gente se preocupa com os grandes traficantes, mas também com aquela boca de fumo que tanto incomoda a sociedade. É preocupação nossa fechar aquela boca de fumo, trazer tranquilidade para aquele bairro, para aquela vizinhança. Aquela movimentação de usuários incomoda, gera violência, gera crimes. Todos os dias a gente cumpre três mandados de busca e apreensão nesses pontos. Em 65 dias, já cumprimos 120 mandados só nesse tipo de tráfico doméstico nas bocas de fumo. Nós já fechamos 30.
MidiaNews - O crack tem um alto poder viciante e é barato. Ela ainda é a droga que mais preocupa a Polícia?
Vitor Hugo Bruzulato Teixeira - É a que mais preocupa porque ela é barata e é a que mais destrói o ser humano. A gente vê isso sempre. O vício é imediato, na primeira utilização ele já pode viciar. Causa uma dependência química, física e psíquica muito grande. É a pior droga. Mas estamos vendo uma redução no consumo e no tráfico dessa droga no Estado todo. Conseguimos avançar nesse ponto por conta desse combate.