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"Auxílio-moradia é uma conquista da categoria", diz Mauro Curvo

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Fonte: Mídia News

No Ministério Público desde 1997, o cuiabano Mauro Benedito Pouso Curvo assumiu o cargo de procurador-geral de Justiça há pouco mais de um ano, em um momento conturbado do ponto de vista orçamentário.

Com sucessivos atrasos nos repasses por parte do Executivo, e o Duodécimo congelado há dois anos, ele conta que teve de usar de criatividade para manter a instituição operando.

A estratégia, porém, não faz milagres. "Tem um momento em que a criatividade para, porque na ausência de dinheiro não tem criatividade que dê jeito”, disse ele, em entrevista ao MidiaNews. 

Sem perspectiva de melhora no horizonte, ele aposta na tecnologia como saída, não apenas para a redução de custos administrativos, mas principalmente para obter resultados mais céleres nas ações de combate à corrupção.

Entre as medidas adotadas, está a implantação de um sistema pioneiro de tecnologia da informação, que usa avançadas técnicas de inteligência artificial e que atualmente é sua menina dos olhos.

"Percebemos que não dava simplesmente para aprimorar nossa atuação após os desvios. A gente tinha que trabalhar no preventivo", afirmou.

Aos 45 anos de idade, ele defende o mecanismo da delação premiada e não foge de temas polêmicos, como as "indenizações" que engordam os vencimentos de várias carreiras do serviço público, inclusive no Ministério Público.

Fala ainda sobre o rumoroso caso das "cartas de crédito" concedidas aos integrantes do Ministério Público, durante a gestão de Silval Barbosa.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – O debate sobre o combate à corrupção está na ordem do dia, inclusive com alguns setores da sociedade afirmando que a situação nunca esteve tão ruim. O senhor também vê dessa maneira ou acredita que a corrupção está sendo mais combatida e por isso, aparecendo mais?

Mauro Curvo – Eu vejo que hoje temos uma transparência maior, com o trabalho do Ministério Público e também da imprensa publicizando mais esses enfrentamentos. Isso, ao mesmo tempo, gera uma situação de descrédito na população, mas é apenas um sintoma de uma doença. A doença estava lá. O que as pessoas não sabiam era do sintoma. Hoje, já se aponta o sintoma e o enfrenta. Muitos estão presos, outros já saíram da cadeia porque fizeram delação premiada e muito dinheiro foi recuperado.

Só aqui em Mato Grosso, em um trabalho entre o Ministério Público e demais entidades que pertencem ao Cira [Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos], como Delegacia Fazendária e Procuradoria Geral do Estado, recuperamos em dinheiro mais de R$ 1,2 bilhão em menos de dois anos. Então são situações que mostram que existe um trabalho sendo feito. Agora, o grande pulo do gato é trabalhar a prevenção. O que precisamos fazer é um sistema que evite o desvio de dinheiro público.

MidiaNews – A impressão que se tem é que, mesmo com o valor recuperado tendo uma soma expressiva, ainda é pouco diante do quadro.

Mauro Curvo – É o que todo mundo coloca, dizendo que ainda está sendo um excelente negócio fazer delação premiada. Na visão da população, se devolve uma parte daquilo que foi desviado, então ainda vai se viver e aproveitar de outra parte dos desvios ilícitos.

MidiaNews – No caso do ex-governador Silval Barbosa, muitos dizem que foi exatamente isso que aconteceu.

Mauro Curvo – A gente precisa que o cidadão saia da fase de crítico daquilo que está sendo feito e passe a exercer com maior plenitude a cidadania dele e passe a ser um fiscal da boa aplicação do recurso público. Dentro dessa mudança de atitude, é bom explicarmos pro cidadão que, quando o Silval fez esse acordo com a Procuradoria Geral da República e o Ministério Público Federal, foram incluídas cláusulas que explicitam que: se ele ocultou patrimônio ou se deixou de falar de algum esquema criminoso no qual participou, perderá os benefícios.

Então, a gente precisa que pessoas que tenham conhecimento de algum patrimônio que seja dele, e que ele ocultou nessa delação – e essa delação já é acessível na internet, denuncie. E se isso ficar comprovado que aquilo é dele, e ele não falou ele vai perder os benefícios. Perdendo o benefício, nós estamos falando de alguém que terá que cumprir pena o resto da vida. Precisamos que o cidadão nos ajude a passar o Estado e o País a limpo.

Alair Ribeiro/MidiaNews

Mauro Curvo 25-06-2018

"A doença estava lá. O que as pessoas não sabiam era do sintoma. Hoje, já se aponta o sintoma e o enfrenta"

MidiaNews – Do que já foi revelado em relação ao governo Silval, é possível concluir que havia uma ampla rede de corrupção que dominava todo o Estado. Como foi possível algo dessa magnitude acontecer?

Mauro Curvo – Era algo monstruoso, mas para nós, enquanto brasileiros, se isso acontecesse só em Mato Grosso, seria o melhor. Mas o que a gente vê é que essa situação se reproduziu em vários locais. A gente vê no Rio de Janeiro o ex-governador preso, e toma conhecimento que lá faziam a mesma coisa que aqui. Ou seja, se transformava o governo do Estado em um verdadeiro balcão de negócio, para que a pessoa que estava administrando a coisa pública tirasse a maior quantidade de dinheiro possível para ele, para seus familiares e para quem o cercava. Então, houve o trabalho de valorosos colegas e também o fato de Silval Barbosa ficar sem mandato, porque quem investiga o governador não é o Ministério Público Estadual. Quando tivemos a atribuição, nós conseguimos atuar relativamente bem a ponto de mantê-los presos por muito tempo, porque só optaram pela delação em razão das provas que já se tinha que desvendavam os crimes deles.

MidiaNews – Esse instrumento da delação, o senhor acha que está no formato correto ou ainda há o que aprimorar?

Mauro Curvo – Sem dúvida ainda vai ser aprimorado. Ainda está em construção. Agora, os resultados que a delação traz para a velocidade e o eficiência de uma investigação, é prova de que se avançou e chegamos onde não havíamos chegado na história do País. E é por isso cidadão olha e acha que nunca houve tanto roubo, tanto de desvio de dinheiro público. O que não se tinha era a publicização e o enfrentamento desses fatos. Nós vivemos em uma democracia, e dois pilares da democracia são: que a atuação dos órgãos de controle seja independente, e a imprensa também seja independente.

MidiaNews – O que o senhor acha dos movimentos pela limitação do raio de atuação do Ministério Público e das críticas referentes à ações supostamente "políticas" do órgão?

Mauro Curvo – Projetos de leis existem inúmeros. Porque aquelas pessoas que foram atingidas ou se sentem na iminência de serem atingidas, tentam retaliar. E como têm acesso a poderes políticos, essa retaliação quer ser feita por meio da lei. Acho interessante, pois muitas vezes o argumento muda de acordo com o que vai acontecendo. Então, pessoas formadoras de opinião, que a gente respeita, diziam o seguinte: ‘o Ministério Público do Estado de Mato Grosso está sentado em cima da delação do [Teodoro Lopes] Dóia, para proteger as pessoas que foram mencionadas’.

Pois bem, depois que nós desencadeamos as operações [Bereré e Bônus,no Detran-MT], inclusive com prisões, com a comprovação de mais de R$ 30 milhões desviados, as mesmas pessoas dizem: "Mas isso é excesso, por que que fez isso? Por que pediram a prisão de Fulano e Beltrano?". Então você vê que não tem jeito, nem Jesus agradou a todos, o MPE também não vai conseguir. As pessoas mudam também de acordo com o que vai acontecendo.

MidiaNews – Mas não houve, de fato, uma demora entre a delação e a deflagração da operação?

Mauro Curvo –  Essas operações envolviam pessoas com foro com prerrogativa de função. Envolvia um trabalho coordenado entre o Gaeco, o Naco e o Tribunal de Justiça. Envolvia uma série de providências que foram tomadas antes. A gente tem que entender que uma operação em que há prisão, busca e apreensão, é a fase externa. Ela é a ponta do iceberg. Antes, você faz inúmeros trabalhos de cruzamento de dados, bancos de dados, análise de movimentação financeira, e de uma série de coisas que demandam tempo. E é só após essas análises que você vai para essa face visível.

Mas a população que só enxerga a face visível e entende que ali é um ponto de partida. Ali não é um ponto de partida, mas um dos principais pontos de chegada. Não a chegada final, mas a chegada para você obter mais provas e abrir novas linhas de investigação.

MidiaNews – Em relação a isso, especificamente sobre a Malebolge [uma das fases da Operação Ararath] não está demorando muito para o compartilhamento das provas e delações pelo STF?

Mauro Curvo – A gente não sabe que tipo de situações e análises que já estão sendo feitas lá. De repente, estão fazendo muito trabalho lá [Supremo tribunal Federal] que vão compartilhar para a gente. A gente não vai receber do jeito que a gente encaminhou, receberemos com avanços já feitos.

MidiaNews –  O senhor chegou a ir a Brasília recentemente para conversar sobre isso com a Procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não é?

Mauro Curvo – Sim. Conversei com ela na Procuradoria Geral da Republica e na chefia de gabinete do ministro [Luiz Fux]. O que eu disse é que todos nós e a população do Estado passamos por um sentimento de angustia, por saber que nós precisamos tomar algumas providências para tentar trazer de volta aos cofres públicos o dinheiro que foi surrupiado.

Eles disseram para termos paciência, que estavam tomando as providências necessárias e que, na hora certa, quando não houvesse prejuízo à investigação que está em andamento, eles fariam esse compartilhamento.

MidiaNews – Parece que muitas coisas referente as obras da Copa estão dependendo de material da procuradoria? Não existe aí também uma aparente lentidão?

Mauro Curvo – Salvo engano, para cada obra da Copa tem um inquérito civil que já foi instaurado na época. E aproveitando essa pergunta, quando falamos em obra da Copa, falamos de VLT e é bom a gente lembrar que em relação a essa obra, o Ministério Público Federal e o Estadual entraram com uma ação para evitar que fosse dada a ordem de serviço e que fosse gasto um real que fosse na execução desse malfadado projeto.

MidiaNews – Tentou-se fazer um trabalho preventivo ali?

Mauro Curvo – Exatamente. Ali se propôs uma ação e na época, os colegas que assinaram a peça e pediram que a obra não fosse iniciada foram execrados. Falavam que eles não queriam o bem da cidade, diziam: ‘estão fazendo isso porque não andam de ônibus’. No início, conseguimos até uma liminar que impedia a continuidade e, quando isso aconteceu, aumentou-se a pressão dizendo que estávamos na contramão da história. Posteriormente foi revogada a liminar, e aconteceu o que aconteceu: R$ 1 bilhão jogados fora, que não se sabe o que vai fazer, porque não se encontrou uma solução. E é muito complexo o problema: nós temos o vagão, não temos onde botar o vagão.

MidiaNews – O Estado de MT vive uma crise financeira, com atrasos nos repasses aos Poderes. Como está essa situação hoje no Ministério Público?

Mauro Curvo – Nós estamos operando com dificuldade. Não há mais onde a gente cortar. Não tem mais o que fazer. A gente vem usando a criatividade, mas tem um momento em que a criatividade para, porque na ausência de dinheiro não tem criatividade que dê jeito. 

Esse ano temos um orçamento que é o mesmo do ano passado. A previsão do ano que vem é o mesmo desse ano. E qual é a perspectiva que temos para fazer um investimento? É recuperar parte dos valores que foram atrasados de anos anteriores. Esse é o gás que queremos para respirar.

MidiaNews – E que tipo de efeito prático essa crise está causando?

Mauro Curvo – O mais palpável e visível é a manutenção predial. Se você visitar a sede das promotorias da Capital, verá que praticamente todo forro está com sinais de infiltração, paredes precisando pintar. Mas o que acontece? Foi uma opção nossa, garantir o pagamento dos nossos terceirizados, servidores e membros para podermos continuar funcionando, e pagar os contratos sem os quais a gente não funciona: energia elétrica e água.

Foi a opção de garantir o mínimo necessário e tentar resolver esses problemas quando conseguirmos botar a mão em parte do dinheiro que está atrasado. Havendo excesso de arrecadação, um percentual vai para pagar as dívidas que ficaram dos anos anteriores.

MidiaNews – Quando se fala em crise nas finanças públicas, logo vem à tona a discussão sobre os chamados penduricalhos, como o auxílio-moradia, ao qual várias carreiras têm direito, inclusive no Ministério Público. O que o senhor pensa dessa polêmica?

Mauro Curvo – O auxílio-moradia que a gente, os magistrados e outras categorias recebem, não só aqui, mas no País inteiro, foi um caminho engenhoso trilhado pelo administrador que, lá atrás, em vez de promover a recomposição dos nossos subsídios anualmente como, por exemplo, ocorre com os servidores do Ministério Público, optou por pegar o caminho da verba indenizatória, para compensar a defasagem no reajuste do subsídio para garantir o poder de compra e não ficar tão caro, porque esta não é paga a aposentados e pensionistas. Então foi um caminho que se trilhou lá atrás. Pelo lado de quem recebe, eu vejo o auxílio-moradia, e outras verbas indenizatórias, como uma conquista das categorias. Da mesma forma que outras categorias também tem suas conquistas.

Por exemplo, médicos, dentistas, assistentes sociais têm jornada de trabalho reduzida. Eles recebem um piso salarial, e aquela jornada não é para uma jornada de 8h diárias, é para uma jornada 5h ou 6h. E nós vamos dizer que isso é um privilégio? Não, isso é uma conquista da categoria.

MidiaNews – O senhor acha que em algum momento vai ter que se mudar a nomenclatura e parar de chamar de “auxílio-moradia” o que, na prática, não é para essa finalidade?

Mauro Curvo – A grande proposta que nós temos é a seguinte: acaba com auxílio-moradia e faz a revisão do teto. Porque aí é matemático. É só olhar há quantos anos a gente não tem a reposição do teto e verificar a defasagem que já havia. Então repõe o teto e acaba com qualquer tipo de espécie de verba indenizatória, sem problema nenhum.

E aí, todo mundo, quando se aposentar, levará isso para a inatividade. Mas isso será difícil de acontecer, pelo impacto que vai causar. A solução para isso é muito difícil.

MidiaNews – Sobre a questão das cartas de crédito supostamente irregulares emitidas ao promotores do Ministério Público Estadual. O senhor considera que essa situação já foi superada?

Mauro Curvo – Acho que poucas situações já foram tão observadas quanto essa. Essa situação das cartas de crédito diz respeito às férias acumuladas. Havia uma lei que permitia colocar-se e quantificar-se esses valores numa certidão de crédito, entregar a certidão a um colega e dar baixa na quitação desse valor para o Poder Público. Ocolega, por sua vez, podia negociar isso no mercado com empresas que deviam o Estado. E aí, a empresa que devia o Estado fazia a compensação. Muitos colegas optaram por isso, eu inclusive. 

Isso foi verificado no ano da emissão das cartas de créditos, na aprovação das contas da PGJ daquele ano. Posteriormente, isso foi verificado novamente pelo TCE. Vieram aqui e viram tudo isso. E de novo foi aprovado. Por quê? É trabalhoso, mas é muito simples encontrar algum tipo de irregularidade. É absolutamente simples. Tudo relativo a férias, é só ver o período que a pessoa tenha usufruído. E todas as férias são publicadas em Diário Oficial. Por exemplo, no meu caso: veja o ano que foi expedida, e verifique ano a ano, em todos os Diários Oficiais, de todos os dias, quais as publicações que eu tive das minhas férias. E depois verifique se, na minha certidão de crédito, consta algum período que eu tenha usufruído anteriormente. Isso já foi feito. O TCE ficou três meses aqui e até hoje nunca vi um caso de alguém que tenha falado: "As férias de tal período do doutor Beltrano foram usufruídas e posteriormente foram compensadas".

Alair Ribeiro/MidiaNews

Mauro Curvo 25-06-2018

"Nós estamos operando com dificuldade. Não há mais onde a gente cortar. Não tem mais o que fazer"

MidiaNews – Há questionamentos em relação ao controle dessas férias feito pelo setor de recursos humanos do Ministério Público, suspostamente a lápis.

Mauro Curvo – É bom esclarecer esse fato, e é difícil porque se trata de uma meia-verdade. Nós tínhamos anotações a lápis? Tinhamos anotações a lápis, mas essas anotações eram o "a mais", uma outra forma de controle. Mas o controle das férias era feito por publicação em Diário Oficial, e essa publicação é mencionada na ficha funcional de todo membro, de todo servidor. Nós passamos a ter um sistema de anos para cá, não tínhamos sistema para fazer controle nenhum. Como era feito? Quando um colega ia sair de férias, pegava a publicação das férias e anotava na ficha funcional.

Agora, quando o colega fazia o pedido, enquanto o pedido estava em tramitação, alguém anotava em uma ficha, anexa à ficha funcional, chamada Controle de Férias, e alguém anotava lá: "Dr.Beltrano, em tal período, para serem gozadas a partir do dia tal’. E isso ficava a lápis lá. E não vinha mais nenhuma anotação naquela folha. Por quê? Porque aquilo era resolvido pela publicação no Diário Oficial. Então, se aquilo era suspenso, ficava aquela anotação a lápis. Porque existia a anotação a lápis? Para evitar que se pedisse e processasse férias em duplicidade. Aí vem a pessoa, encontra isso, e em cima disso faz a frase: ‘tudo lá é feito em cima de anotação a lápis’. E vem outra pessoa e acredita nisso, infelizmente.

MidiaNews – Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou umas normas de conduta para magistrados nas redes sociais e, em Mato Grosso, tivemos o caso de um promotor envolvido em polêmica em razão de uma conversa vazada em um grupo de WhatsApp. O Ministério Público tem alguma recomendação relativa a isso para seus membros?

Mauro Curvo – Eu lhe digo que ainda não, e o ainda com letras maiúsculas. Porque a tendência é o próprio Conselho Nacional do Ministério Público baixar alguma normativa nesse sentido, similar ao feito pelo CNJ.

MidiaNews – Mas o senhor acha necessário estabelecer regras?

Mauro Curvo – O bom-senso de um não é o bom-senso do outro. Então, você ter alguns parâmetros que sejam previamente comunicados a todos, para poder separar e depois aferir alguma violação funcional, ou algum prejuízo para quem quer que seja, acho interessante. Agora, temos que tomar cuidado para que isso não seja uma mordaça absoluta. Tem que ter o equilíbrio. Há que ter bom senso também da parte dos que vão editar a regulamentação.

MidiaNews –  O Ministério Público está em processo de implantação de inovações em tecnologia da informação. Em que esses investimentos vão auxiliar no trabalho na ponta?

Mauro Curvo – Nós somos o primeiro Ministério Público no País a operar em nuvem. Depois da realização da licitação, a qual a Microsoft venceu, nós já subimos as promotorias de entrância, inicial e intermediária. Todas estão em nuvem. O que a gente ganha com isso? É uma nova forma de enfrentar velhos problemas. Por exemplo, a questão do trabalho remoto. Hoje, eu tenho uns 30 e poucos pedidos de nomeação de mais servidores para atender colegas que estão no interior. E nós não temos orçamento para nomear 30 e poucos servidores. O caminho que encontramos para solucionar esse problema é o trabalho remoto. Nós fizemos um projeto piloto em que contratamos uma pessoa que trabalha aqui em Cuiabá, e daqui ela atende Cotriguaçu, Aripuanã e Colniza. Daqui, ela tem acesso a toda a documentação que ela precisa, a todas as informações de que ela necessita. O feedback que temos tido dos colegas é que isso tá correndo excelentemente bem. A ideia é ter essa força móvel de trabalho operando, atender de repente 10 municípios simultaneamente, apagar os incêndios que estão lá, e depois trabalhar com outros dez. Então, com dez pessoas você resolve situações que dependeriam de 30 ou 35 pessoas para resolver.

Alair Ribeiro/MidiaNews

Mauro Curvo 25-06-2018

"Percebemos que não dava simplesmente aprimorar nossa situação após o desvio ocorrer. A gente tinha que trabalhar no preventivo"

MidiaNews – Mas todas as informações constam na nuvem? O que isso inclui?

Mauro Curvo – Todas as ideias e informações de uma promotoria estão disponibilizadas em nuvem. Por isso, em qualquer lugar do mundo, com dispositivo conectado à internet, ele tem acesso às informações. Antes, essas informações só constavam na promotoria dele. Antes de operar em nuvem, a gente trabalhava com um tripé para dar acesso às informações: login, senha e local. Um colega, por exemplo, de Itiquira, só tinha acesso às informações dele quando ele logava, entrava com a senha dele, e estava na promotoria de Itiquira. Hoje, essa informação é acessada em qualquer lugar. Até o fim do ano, ele terá acesso ao Sistema Integrado do Ministério Público, de qualquer lugar do mundo. Por operar em nuvem, temos acessos a ferramentas que a própria Microsoft disponibiliza na nuvem dela. Então, servidores que tenham vocação para tecnologia podem desenvolver coisas em cima da plataforma da Microsoft.

Midianews  – Além da questão administrativa, como essa tecnologia pode ajudar na investigação?

Mauro Curvo – Trabalhamos em um sistema de inteligência artificial preditiva. Percebemos que não dava simplesmente para aprimorar nossa situação após o desvio ocorrer. A gente tinha que trabalhar no preventivo. Com isso, nós montamos uma estratégia em que passaríamos a usar coisas que já existem no mundo, mas não existem no serviço público, como por exemplo, a detecção de possíveis fraudes por inteligência artificial. Isso já existe no sistema bancário. Quem de nós nunca recebeu uma confirmação de uma operação de um cartão que foge do nosso padrão usual? Quem faz essa detecção é a inteligência artificial. Então, se ela consegue processar as informações de compra de cartão de crédito, com mais facilidade ela poderia se prestar a fazer analise de vínculo e objeto em futuras licitações, por exemplo.

MidiaNews – Como isso funcionaria na prática?

Mauro Curvo – O primeiro pré-requisito para conseguirmos isso foi uma parceria com o Tribunal de Contas. O TCE tem o Aplic, que é um banco de dados para o qual tanto o Ministério Público, quanto o Tribunal de Justiça, Assembleia, municípios, antes de licitar, têm que encaminhar o termo de referência, onde devem constar os dados que vão subsidiar a licitação. Nele, tem que ter qual objeto você quer comprar, qual serviço quer adquirir. Além disso, você já tem orçamentos de empresas que estão querendo prestar o serviço ou vender o objeto, e ainda toda a justificativa para aquisição do objeto e do serviço. Ao ter acesso ao termo, a gente quer trabalhar com ele. Olhar para aquele termo de referencia e fazer a análise de vínculos. Saber quais as empresas que vendem aquele objeto para o setor público. Dentre essas empresas, se os sócios dessas empresas também fazem parte de outras empresas que vendem o mesmo objeto. É possível verificar se eles são vivos, se o endereço que consta no cadastro é de uma empresa ou da casa de alguém. O outro tipo de análise é do objeto em si. É verificar qual objeto será adquirido, quem vende, quem já vendeu, quanto custou aquele objeto para o Poder Público em todo País. E isso dá mais trabalho, é necessário trabalhar com Big Data para poder sair das bases de dados estruturadas, ou seja, é preciso ir além dos bancos de dados, ir pro mercado para ver quem vende aquilo e olhar, no mercado mesmo, os anúncios de empresas que estão vendendo o objeto para saber qual o preço de mercado.

MidiaNews – Se tivéssemos uma estrutura dessas à época das obras da Copa, o senhor acha que seria possível detectar alguma coisa? Teríamos uma realidade diferente hoje?

Mauro Curvo – No caso de serviços de engenharia, isso iria requerer mais do que o que estamos planejando, para começo de conversa. Por que aí, para enfrentar problemas de obra, teríamos que decodificar serviços de engenharia em vários outros serviços e começar a analisar os outros. Para se falar na construção de um prédio, nós precisaríamos saber quanto vai de tinta, para podermos ver quanto estão pagando pela tinta. Quando estão pagando de mão de obra, quanto de produto. Então, nesse aspecto, dá mais trabalho, porque você tem que transformar uma obra em vários serviços, que possam ser mensurados e comparados com o preço de mercado. Diferente do que a gente tá propondo em fazer no início, que é tratar de objetos – por exemplo, de um copo. Quem vende, qual o preço e, dentre os que vendem, se existe parentesco ou relação entre os sócios das empresas que já venderam copos pro setor público.

MidiaNews – Podemos aguardar mais uma fase da Bereré?

Mauro Curvo – Não sei, mas também não é impossível que haja. Existem apurações em andamento, porque sai uma operação e esta leva à prisão de alguém que pode fazer uma delação premiada. Aí você abre outras linhas de investigação. Ou seja, você sabe como começa, nunca como termina.

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