As eleições e as fake news como crime - Sem o corpo-a-corpo, redes sociais serão utilizadas e farão diferença
Mais do que nunca, sem o corpo-a-corpo as redes sociais serão utilizadas e farão muita diferença no resultado destas eleições e, como cidadãos, precisamos estar mais atentos às informações que recebemos, consumimos e principalmente, compartilhamos.
O Brasil tem seu Código Eleitoral, datado de 1965, mas no último ano, com a lei 13.834/2019, ele recebeu um importante acréscimo de artigos que tornou crime à produção e divulgação das chamadas fake news, podendo render pena de reclusão de 2 a oito anos e ainda multa.
Além disto, está sujeito a mesma pena quem ciente da inocência do candidato e com finalidade eleitoral, divulgar ou propalar o ato falso, ou seja, quem compartilhar. Fotos, vídeos e até conversas pelo aplicativo serão provas no processo judicial.
E isto por quê? As eleições no Brasil em 2018 foram consideradas sem precedentes em relação à difusão de notícias falsas, segundo Laura Chinchilla, presidente da Missão de Observadores da Organização de Estados Americanos (OEA) para as eleições brasileiras e ex-presidente da Costa Rica.
Na época, os especialistas acenderam o alerta já no primeiro turno, percebendo o uso das fake news para mobilizar e intervir na decisão dos brasileiros.
De lá para cá vários estudos foram realizados e a imprensa divulgou muitos relatórios, denúncias foram realizadas e até uma CPI está em andamento, mas é fato que as eleições tiveram uma manipulação expressiva, que pode ter alterado todo quadro eleitoral e, consequentemente, as decisões políticas que vêm influenciando diariamente nossas vidas. E isso não pode virar uma rotina, pois as perdas sociais podem ser muito grandes.
O pesquisador Marco Konopacki, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), uma das entidades que elaborou relatórios sobre a desinformação nas eleições de 2018, destacou como um dos pontos chave para o “sucesso das fake news”, a migração do uso de plataformas públicas ou semi-públicas, como Facebook e Twitter, para serviços de mensagem de caráter mais privado, como o WhatsApp.
Danilo Doneda, consultor em Direitos Digitais que atuou no Conselho Consultivo do TSE, mostrou que a natureza da plataforma, voltada para a comunicação interpessoal, foi forjada para outros usos naquela eleição.
Através de redes orgânicas, preparadas com antecedência, as campanhas se utilizaram, por exemplo, com permissões do aplicativo, de 9.999 grupos por uma mesma conta, com listas de transmissão para mais de duzentos destinos por conta, gerando um envio em massa, extrapolando a cotidiana conversa entre as pessoas e seus círculos. Isso representou o compartilhando de mentiras por milhares de pessoas, praticamente de forma simultânea, influenciando decisões que afetariam toda uma sociedade. É importante frisar que nestas condições, a agilidade para desmentir o fato ou esclarecer o eleitor, nunca é igualmente proporcional.
Acompanhando centenas de grupos públicos do WhatsApp, o ITS também pode constatar que houve uma articulação para envios em massa com o uso de robôs ou bots.
Estratégia de uso que persiste hoje, inclusive, denegrindo imagens e promovendo a perseguição de centenas de pessoas, entre jornalistas, artistas, influenciadores digitais, formadores de opinião e anônimos. Uma prática que não pode ser naturalizada.
Outro levantamento da época, da agência de checagem de informações Lupa, realizado em conjunto com professores da USP e da UFMG, mostrou que no do segundo turno das eleições, num único dia, foram mapeadas as imagens mais compartilhadas em uma amostra de 347 grupos, e descobriu-se que somente 8% eram verdadeiras.
Estes dados mostram a importância do tema, da busca pela verdade dos fatos e a urgência em educar o cidadão para reconhecer quando uma fonte de informação é confiável.
Recentemente o TSE lançou campanha, alertando a população sobre as fake news, a checagem das informações, o cuidado com o hábito de sair compartilhando toda e qualquer “informação”, afinal de contas, compartilhar algo mentiroso agora é crime!
É necessário promover uma educação digital junto à população, o cidadão precisa ter senso crítico para detectar o que é verdadeiro ou falso, mas não menos urgente é que as campanhas eleitorais sejam éticas e busquem a paridade. Aqui muitos irão alegar que no “jogo político” a ética já foi perdida, isso é notório e antigo, mas há que se buscar a mudança.
As decisões políticas influem no cotidiano de homens, mulheres, crianças, de todos os sujeitos sociais, e por isso mesmo, cada cidadão deve fazer a sua parte. Agora existe como criminalizar o uso de fake news, inclusive, aqueles que “inocentemente” compartilham as mentiras.
Os políticos vêm ganhando cada vez mais descrédito da população, mas a sociedade é formada por cada jovem, adulto e idoso que vai até as urnas e faz uma escolha, ninguém chega ao poder sem o apoio da sociedade.
A responsabilidade pelo estado de coisas que vivenciamos é algo compartilhado. E aos que se dizem cansados da política, o alerta é que não levar a sério o processo eleitoral é se eximir da responsabilidade. Não adianta reclamar depois.
Se mudanças sociais são necessárias, cada um deve se comprometer e fazer a sua parte: escolhendo com responsabilidade seu representante, além de ficar atento às informações que recebe, e denunciar quando estiver diante de uma mentira. Afinal, tudo está em nossas mãos, com apenas um clique se compartilha, denuncia e vota!
Luciana Oliveira Pereira é jornalista.